Rock é Cultura

Nuno Soares

Diretor da Casa das Artes de Arcos de Valdevez

In Revista TER 48

Filho de um mestre em Belas Artes e de uma professora de Línguas e Literaturas Francesas, nasceu acidentalmente em Cete, concelho de Paredes, e viveu até à vinda para o Alto Minho na cidade do Porto.

Nuno Soares é arqueólogo de formação académica, pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, e chegou a Arcos de Valdevez “acidentalmente” em 1995 para trabalhar na área da arqueologia. A resposta do então Presidente da Câmara Municipal arcuense, ao contrário dos seus congéneres, a uma carta sua de apoio ao projeto de investigação que desenvolvia para a Bacia do Lima, levou à sua ligação inicial com Arcos de Valdevez, que não mais findou. Em 2001 é nomeado para a Direção da Casa das Artes e posteriormente Chefe de Divisão, cargo que ainda hoje ocupa.

Nuno Soares detesta fotografias, até porque destaca que o “outro elemento fundamental deste projeto é a dedicação e entusiasmo da pequena equipa que comigo trabalha, que permite obviamente que tudo aconteça com eficácia e alto profissionalismo; é um coletivo efetivo e amigo” — assegura; assim as fotos dos muitos projetos que em conjunto produziram é o melhor retrato destes mais de vinte anos de vivencias culturais.

Rock é cultura, não é contracultura, trata-se de uma forma de expressão como qualquer outra”:  diz Nuno Soares, diretor da Casa das Artes de Arcos de Valdevez, em entrevista à Revista TER, dando como exemplo o festival Sons do Vez.

Este arqueólogo de formação — ver perfil — recebe-nos na Casa das Artes arcuense e explica que o segredo do sucesso deste espaço e do concelho, nestes últimos anos, como local de dinâmica cultural no Norte do país se deve a dois fatores, além de outros: “investimento financeiro estável durante todo o ano económico e liberdade programática”.

Estes fatores permitiram que a “Casa das Artes deixasse de ser um espaço sagrado onde aconteceriam previsivelmente sempre as mesmas coisas. Demos a volta e transformamo-lo numa área que conjuga intimismo e proximidade experimental, aberta a bandas e projetos consolidados, mas também aos que não tocavam em grandes cidades, tendo aqui um grande bastião”.

Foi assim que a Casa das Artes se tornou potenciadora da marca do concelho que agora é preferido por alguns artistas para ali “residirem”. Os artistas e bandas “criaram uma dinâmica nova a reboque dos Sons do Vez que levou a uma inevitável promoção do território”.

O objetivo principal foi “assinalar diversidade programática, mas também fazer nota de homenagem a nomes históricos da cultura portuguesa, que felizmente conseguimos programar e que connosco já não estão (fisicamente) como por exemplo Carlos do Carmo, José Mário Branco, Eunice Muñoz ou Pedro Gonçalves (Dead Combo)”. Todavia, a lista pode ser maior e incluir Zé Pedro (Ladrões do Tempo/Xutos), João Aguardela (A Naifa/Sitiados) ou mesmo Pedro Barroso ou o muito saudoso Bernardo Sassetti.

Esta liberdade de programação e a base orçamental fundamental para trabalhar “são articuladas sempre com o Executivo municipal, havendo por isso uma ligação total e muitas vezes contributos e ideias para o estabelecimento da programação definitiva”.

O orçamento para a área cultural municipal é hoje muito superior a um milhão de euros, incluindo programação diversa, mas também as dinâmicas de uma rede de equipamentos culturais implementada sobretudo nos últimos 8 anos, como o Paço de Giela, o Centro Interpretativo do Barroco, o Espaço Valdevez ou as Oficinas de Criatividade Himalaya/Centro Ciência Viva dos Arcos.

A surpresa da ousadia

Refletindo sobre os novos projetos e abordagens desenvolvidas neste período e na ousadia do Município em ir por caminhos muito diferenciadores, fala de um verdadeiro “caso de estudo” que é a aldeia de Sistelo, que passou do absoluto anonimato para um enorme destaque nacional como destino turístico, sendo o único Monumento Nacional classificado como Paisagem Cultural, estando também para breve uma outra classificação inovadora: “a do Santuário da Senhora da Peneda como Monumento Nacional”, revela Nuno Soares, dando conta do trabalho desenvolvido nos últimos anos.

Outra das apostas, vinculada sobretudo com a história de mais de 20 anos da Casa das Artes, traduz-se em apresentar novas formas de expressão musical. “A princípio foi surpresa, mas ousámos. Grande parte dos artistas faziam o circuito de Lisboa e pouco mais. Não se moviam e nós incentivamos a mobilidade, sendo que hoje os músicos e bandas precisam destes espaços porque a música é sobretudo feita ao vivo. É possível abrir estes espaços da “província” à música”, garante o Diretor da Casa das Artes, dando nota da importância que essa estratégia teve para a região, não só na descentralização cultural evidente, mas sobretudo no contributo para que outros concelhos no distrito iniciassem também programações regulares e incentivassem o investimento na Cultura.

Na área do teatro, por exemplo, a estratégia foi “criar algum choque criativo e fazer coisas diferentes, como aconteceu em 2001 com a peça Calígula, da Companhia de Teatro do Algarve, que começa com um nu integral”, o que por si não é nada de especial, mas “alertava” para o inicio de uma programação da Casa das Artes que ousaria e arriscaria.

Neste espaço com identidade, Nuno Soares garante “uma linha programática própria, mas que nunca exclui os projetos e os artistas locais, desde que em abordagens criativas originais e sobretudo de integração com novos valores e conceitos culturais”.

O Diretor da Casa das Artes receia que o conceito “festivaleiro” nacional, com uma imensidade absurda de eventos de enorme dimensão e investimento público, possa ser algo “perigoso para a manutenção dos projetos musicais em recintos fechados, mais intimistas. Muitas Câmaras Municipais estão a gastar muito dinheiro no Verão e depois não sobra investimento para outras épocas do ano”, deixando as populações sem continuidade cultural, que se estende também a outras áreas de expressão criativa.