Gonçalo Xufre
Presidente do Conselho Diretivo da Agência Nacional para a Qualificação e o Ensino Profissional
In Revista TER 17
Nos nossos dias, os nossos dias, muitos são os especialistas que apontam a empregabilidade como o grande desafio do século XXI. Ser-se empregável é saber adaptar-se às exigências e dinâmicas dos novos mercados de trabalho e proteger-se dos riscos inerentes às convulsões e permanentes mudanças que os mesmos enfrentam, mais do que a capacidade de se estar ou de se ser empregado.
O perfil para a empregabilidade é portanto muito diferente hoje do que foi em décadas anteriores, obrigando a conciliar três dimensões: saber ser, saber estar e saber fazer.
Apesar destas dimensões já fazerem parte do discurso político e académico associado à edu- cação há pelo menos uma década, na verdade ganharam uma nova urgência com a crise económica que enfrentamos. Hoje a educação e a formação não podem não ser pensadas nestes termos, sendo imprescindível ter presente a noção de empregabilidade. Esta é decisiva para o desenvolvimento económico que nos poderá catapultar para uma nova etapa mais sustentável de todos os pontos de vista, tal como nos relembra a estratégia “Repensar a educação” apresentada recentemente pela Comissão Europeia.
Falar de empregabilidade ultrapassa, em muito, a perspetiva do indivíduo. Importa equacioná-la também do ponto de vista do tecido empresarial e da sociedade como um
todo, sendo central o papel da educação e formação, pois é aqui que tudo se joga. Quando concluir a escolaridade básica, o jovem (ou o adulto) já deverá ser detentor das competências e dos saberes considerados elementares para a compreensão do mundo que o rodeia. Todavia, com este nível de escolaridade, teremos muita dificuldade em dizer que este jovem é hoje empregável, considerando as exigências do mercado de trabalho global, em permanente mudança e aceleração. Faltam-lhe os conhecimentos, as aptidões e as atitudes (que designamos como resultados de aprendizagem) evidenciáveis numa determinada área de estudo ou de trabalho e aproveitáveis pelo mundo empresarial. É por esta razão que atualmente se considera como obrigatória a escolaridade mínima de pelo menos 12 anos, sendo certo, que, quanto mais elevada for a qualificação, mais fácil será contornar a situação do desemprego, tanto em Portugal como no resto da Europa.
Os estudos prospetivos apontam para que, em 2020, mais de um terço dos postos de trabalho disponíveis na União Europeia exijam qualificações de nível secundário, havendo cada vez menos lugares para os pouco qualificados com empregabilidade. Do 9º ao 12º ano, este jovem deverá percorrer uma nova etapa educativa e formativa. Poderá fazê-lo através de uma via orientada predominantemente para o prosseguimento de estudos de nível superior ou optar por uma via com aproximação imediata ao mercado de trabalho, sem que perca a possibilidade de continuar a estudar. A questão está em optar de imediato por um ensino teórico ou antes por um ensino predominantemente prático. Esta opção dependerá muito do perfil do jovem, das suas vivências e interesses.
Do ponto de vista da empregabilidade é porém evidente que a opção por um curso profissionalizante o coloca mais cedo em situação de poder ser empregável, não só pelo tipo de aprendizagens que fará, mas também porque este ensino conjuga uma formação teórica (designada por componente sociocultural) com uma componente prática (científica e técnica). A componente técnica tem ainda a vantagem de integrar formação em contexto real de trabalho, vulgarmente apelidada de “estágio”. Sendo certo que a aprendizagem acontece em qualquer destas componentes, é evidente que o estágio tem, do ponto de vista da empregabilidade, um valor acrescido enorme. O aluno, formando ou aprendente é colocado em contacto direto com uma empresa, sendo confrontado com a necessidade de dela fazer parte diariamente. É aqui que vai vivenciar e experienciar o que é o mundo do trabalho, com todas as suas vicissitudes. Dos testemunhos que fomos recolhendo dos formandos, que já percorreram esta etapa da sua formação, retira-se a noção de que esta é sempre determinante e decisiva para que o jovem correlacione o que aprendeu e seja capaz de o colocar em prática. Do ponto de vista conceptual, o estágio é o momento propiciador do desabrochar da competência (entendida como um saber para a ação), sendo esta o garante da empregabilidade.
Aprendizagens expressas em resultados efetivos
Por tudo isto e porque cada vez mais temos de nos situar numa escala global que ultrapassa as nossas fronteiras territoriais, as aprendizagens começam hoje a ser requacionadas em termos de competências ou de resultados de aprendizagem. Não importa o que o jovem aprendeu em termos de horas de formação, nem a entidade que o certificou, mas sim os resultados que esse mesmo jovem consegue evidenciar, na prática, em termos de conhecimentos, aptidões e atitudes. Ou seja, o relevante está nos saberes- fazer, estar e ser. Serão estes os termos de comparação das formações realizadas no espaço europeu que permitirão às entidades empregadoras efetuar recrutamentos ou às entidades formadoras dar continuidade a estudos iniciados noutro Estado, com total transparência e confiança. Essa é a razão pela qual os diferentes Estados-Membros têm vindo a estudar modelos para uma nova abordagem na formação que, inclusive confira créditos inerentes a resultados efetivos de aprendizagem. No fundo, é este o grande desígnio do Sistema Europeu de Créditos do Ensino e da Formação Profissionais (ECVET) no qual Portugal participa.
Estes princípios encontram-se já patentes no Quadro Nacional de Qualificações (criado por referência ao Quadro Europeu de Qualificações), em torno dos quais são apresentados os oito níveis de qualificação atualmente existentes em Portugal. Este mesmo quadro posiciona os cursos profissionais (entendi- dos aqui como qualquer formação de nível secundário que confere uma dupla certificação) no nível 4. Ou seja, um nível acima dos cursos para o mesmo patamar escolar apenas orientados para o prosseguimento de estudos. Esta distinção expressa bem o valor que se atribui hoje à dupla certificação e, em particular, à formação que acontece em contexto empresarial.
Mas, para que ela aconteça e ganhe ainda maior relevância impõe-se que as empresas sejam chamadas a pronunciar-se sobre a formação e que assumam um papel mais interventivo nesta temática.
Colaboração e diálogo aberto
Existem muitas formas de uma empresa colaborar ativamente. Pode fazê-lo através do estabelecimento de parcerias com as entidades formadoras (à semelhança do bom trabalho que muitas têm vindo a assegurar em articulação com escolas profissionais ao longo dos últimos 20 anos) e disponibilizando-se enquanto entidade acolhedora de estágios; pode envolver-se no desenvolvimento de projetos específicos em parceria com entidades formadoras; podem participar na atualização dos referenciais e perfis profissionais disponibilizados no Catálogo Nacional de Qualificações, por via dos Conselhos Sectoriais para a Qualificação ou do Modelo Aberto de Consulta; e podem ainda atuar na sinalização de profissionais que necessitem de formação adicional, encaminhando-os para os futuros Centros para a Qualificação e o Ensino Profissional (CQEP).
Juntar neste diálogo permanente empresas, centros de formação, escolas e estruturas com responsabilidades ao nível da definição e operacionalização de referenciais de formação e dos perfis profissionais é a grande missão da Agência Nacional para a Qualificação e o Ensino Profissional. Na prática, trata-se de estabelecer pontes entre mundos tradicionalmente afastados que apenas recentemente foram convidados a partilhar interesses, receios, necessidades e anseios. É nisso que nos encontramos empenhados, acreditando que, em parceria e numa base de diálogo aberto, será mais fácil projetar um futuro sustentável para todos.