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Aqui há Cultura!: Abril com José Afonso e Filipa Pais

Aqui há Cultura!: Abril com José Afonso e Filipa Pais

A Escola Profissional Amar Terra Verde — EPATV — e a Câmara Municipal de Vila Verde anteciparam e celebraram uma bela festa de Abril com a participação de Octávio Fonseca e a cantora Filipa Pais, no dia 21 de abril, na Biblioteca Municipal Professor Machado Vilela.

Foi mais uma noite de casa cheia, numa sessão memorável.

Integrada nas Conversas de Abril — do programa Aqui há Cultura que se desenrola até ao fim deste ano — a sessão teve como protagonistas o coordenador do livro Uma vontade de música — As cantigas do Zeca — e a cantora Filipa Pais, ao vivo, interpretando várias canções à medida que Octávio Fonseca ia descrevendo — mesmo sabendo que “nada sei sobre José Afonso” — o trajeto humano, artístico e criativo do autor de Meninos do bairro Negro.

Além de José Moças, editor da obra, não foram ignorados outros nomes nesta noite, como os de João Manuel, do Grupo Raízes, de Júlio Pereira, de Carlos Paredes ou Rui Pato — autor do prefácio.

José Moças abriu o diálogo afirmando que “talvez esteja aqui o José Afonso completo…”.

DEZENAS DE VOCALIZOS TODOS DIFERENTES

Já para Octávio Fonseca, “o lirismo de José Afonso é de Camões e não tem nada a ver com Coimbra, quando se fala do início da canção de intervenção, iniciada por ele e cujo primeiro seguidor foi Adriano Correia da Oliveira”.

Tudo começa, recorda Octávio Fonseca, com Manuel Alegre, José Afonso, Adriano e Rui Pato, em 1964, com A trova do vento que passa. Se as baladas de Coimbra “tinham duas quadras, os fados eram sonetos e José Afonso introduziu e compôs dezenas de vocalizos sem repetir nenhum. Com ele, os vocalizos deixam de ser aqueles enfeites da canção popular e passam a ser ilustração da canção, traduzindo medo, inquietação e outros sentimentos”.

A grande viragem musical de José Afonso acontece “com as baladas inspiradas na canção francesa e nos jograis da Idade Média — trovadores — numa idade em que mergulha em Lopes Graça e Michel Giacometti. Com ele, nasce a nova música popular portuguesa, após regressar de Moçambique, para onde parte três anos antes” — garantiu Octávio Fonseca.

MÚSICA SIMPLES, NÃO É

Analisando a estrutura musical, o orador desmentiu a ideia de uma música simples produzida por José Afonso, dando o exemplo de A toupeira “que tem um compasso raro de 5 por 4. Outro exemplo é Menino do Bairro Negro, com dois acordes Sol e dó — com três níveis poéticos, que começam com as crianças a correr felizes, prosseguem com a vida difícil delas e conclui com o negro bairro negro… A música desenvolve-se em três compassos diferentes”, bem demonstrados pelas interpretações de Filipa Pais.

Octávio Fonseca ilustrou as diferentes métricas dos poemas que ajudam a perceber o processo criativo de José Afonso, não esquecendo a presença de África na sua obra, que o leva a apaixonar-se pelos ritmos africanos, visíveis em Vai Maria, vai, em que “ele acentua que os pretos não eram preguiçosos, mas era uma forma de resistência”.

A parte final da conferência centrou-se nas canções após o 25 de Abril de 1974 em que José Afonso foi “miseravelmente injustiçado pelos novos intelectuais, em três discos classificados como panfletários, quando apelava à esquerda que ultrapassasse as suas divisões com a canção Enquanto há força nos braços, cantai rapazes, dançai raparigas”.

Moça morena demonstra a quem quiser perceber que “o lirismo de José Afonso é camoniano”, assegurou Octávio Fonseca que – como testemunham jornalistas estrangeiros — considera José Afonso “um dos maiores poetas portugueses”.

Como exemplos apontou Era um vocábulo redondo, ou Senhor Arcanjo interpretados soberbamente por Filipa Pais,

O coordenador desafiou outros investigadores a estudarem “a análise musical e poética de José Afonso porque, neste caso, só sei que nada sei”.

No final, Arnaldo Sousa, um dos impulsionadores deste programa Conversas de Abril, descreveu esta noite como “um momento muito alto, muito para além do que nós idealizámos”, num sentimento que foi reforçado por Manuel Lopes, vice-presidente do Município

“Foi uma noite fantástica e excecional para comemorar abril” — concluiu o autarca.