São quase todos vermelhos os 49 diabos em cerâmica, esculpidos por artesãos populares do Minho, que o historiador vimaranense Fernando Capela Miguel apresentou ontem, dia 26 de outubro, no átrio de entrada da Escola Profissional Amar Terra Verde para seduzir os 700 alunos durante cinco dias.
A sessão inaugural – à qual presidiu o Diretor Geral da EPATV, João Luís Nogueira – traduziu-se numa lição eloquente sobre a presença do Diabo na cultura, na religião, na tradição e na arte popular portuguesa.
Nesta sessão marcou presença outro “senhor” da cultura popular – o alentejano e vilaverdense pelo coração, José Moças, responsável maior pela divulgação da música popular tradicional portuguesa, ou não fosse um especialista no estudo, recuperação e edição de fontes históricas da nossa música.
João Luís Nogueira reafirmou que esta exposição prova que a EPATV está a “cumprir o seu papel enquanto escola, dignificando a cultura popular, uma vez que, ao longo destes cinco dias, são efetuadas visitas guiadas para as turmas da escola. Promover a cultura popular é tarefa que o Grupo Amar Terra Verde, a que me orgulho de presidir, sempre assumiu com gosto e dignifica a nossa missão”.
João Luís Nogueira agradeceu aos mecenas que tornaram possível esta exposição, entre eles, António Moura, Manuel Sampaio da Veiga e Arnaldo Sousa.
Estão patentes obras de artesãos como António Ramalho, Irmãos Mistério, Irmãos Baraça, João Ferreira, Júlia Côta, Helena Silva, Conceição Sapateiro e Milena de Salsas.
Arnaldo Sousa defendeu que as Escolas devem ser “locais abertos à cultura e à arte portuguesa, nomeadamente a arte popular muitas vezes menorizada, mas cuja simplicidade e beleza desmentem que possa ser tão menosprezada”.
Por sua vez, o Diretor Geral, destacou uma atitude cultural da Escola para além de saber ler, contar e escrever para “ensinar a admirar a beleza das artes e valorizar o talento daqueles que fazem coisas bonitas”,
João Luís Nogueira não escondeu o seu orgulho em “ver a Escola trazer a cultura para dentro das suas portas para que os seus alunos tirem o máximo proveito destes trabalhos”,
O proprietário das 49 peças expostas – porque outras não ficaram concluídas a tempo – definiu esta exposição como “ibérica numa Península onde não há outra como esta: fui eu quem imaginou e dirigiu aos artesãos o desafio para eles produzirem alguns estes Diabos”.
“O universo do Diabo é tão grande como o de Deus” – começou por alertar Fernando Capela Miguel (Miguel Sul é pseudónimo). “Deus tem um só nome mas o Diabo tem 111 nomes [que ele encontrou]. Deus é único, mas o Diabo pode ter as personagens que quisermos” — acrescentou, citando Gil Vicente, o fundador do teatro português que mais nomes criou para o Diabo, estando está presente em todos os cantos, lendas e tradições e nos sítios “mais inimagináveis, como constatei ao longo dos últimos cinco anos”.
Fernando Miguel destacou o galo como o animal “mais importante na luta contra do Diabo. No momento em que o Diabo esteve prestes a conquistar a Humanidade, o Galo cantou, despertou os humanos para a sua presença, na madrugada”.
O orador concentrou a atenção máxima dos alunos ao falar dos locais, cruzeiros, bandas de música, rusgas, das festas, romarias e dos costumes e esculturas que perpetuam o Diabo na arte popular, desde os caretos transmontanos até à Boca do Inferno, passando pela Serra do Caldeirão ou a Cadeira do Diabo na nascente o rio Vez, construindo uma verdadeira geografia do Belzebu que inclui mais de 200 sítios em Portugal “que vão desde Loulé — onde se faz a festa dos diabos — até S. Bartolomeu do Mar — onde o galo preto expulsa o diabo das crianças, após três mergulhos no mar”.
Além disso, a cultura popular “espelha a dignidade de um povo, a sua originalidade, os traços profundos que definem a sua forma de ser e estar perante a vida”.
Na próxima quinta-feira, de amanhã, o proprietário dos 49 diabos compromete-se a novas visitas guiadas para os alunos da EPATV, até porque, citando o “Cântico negro” de José Régio: “Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!/ Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;/ Mas eu, que nunca principio nem acabo,/ Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.”.