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Cozinha: tertúlia reuniu Chefes de referência

Cozinha: tertúlia reuniu Chefes de referência

Cozinha: tertúlia reuniu Chefes de referência

O Curso de Cozinha/Pastelaria da Escola Profissional Amar Terra Verde (EPATV) chamou gastrónomos e chefes de cozinha de referência nacional e internacional a Vila Verde para falarem de “Cozinha, do Tradicional ao Contemporâneo”, mas nenhum se atreveu a dizer qual é “o” prato tradicional português.

Paulo Amado, das Edições do Gosto, foi o moderador de uma tertúlia esclarecedora, animada e divertida promovida pelos alunos, Inês Oliveira e José Luís Leite no âmbito da Prova de Aptidão Profissional, do 3º ano do curso de Cozinha/Pastelaria, sob direção e coordenação de Alexandra Vilar.

A Tertúlia abriu com uma lição de história com o gastrónomo Virgílio Nogueiro Gomes, para quem se pode tornar difícil nos dias de hoje, com tanta informação, definir o que “é a tradição”.

Recordando que o primeiro livro de culinária portuguesa surge em 1680 e o segundo livro aparece apenas cerca de cem anos depois, Virgílio Gomes atreveu-se a dizer que as propostas mais antigas devem ser o arroz doce (com arroz carolino) e o leite creme.

Referiu que o tradicional e regional pode-se tornar contemporâneo na sua apresentação, porque os elementos essenciais são o produto, a técnica de cozinha e o acompanhamento. Por isso, lamentou, “somos nós próprios que, muitas vezes, descaracterizamos a nossa gastronomia, como eu já vi apresentar Carne à Alentejana com rodela de polvo e sem as amêijoas”.

A concluir, Virgílio Gomes defendeu o “papel e missão importantes que as escolas têm na preservação deste património tão importante que é a Cozinha Tradicional Portuguesa e não deve separar essa missão dos conhecimentos históricos da gastronomia porque eles estão associados a grandes mudanças na Europa”.

Continuou, afirmando que, “Um prato com história a si associada vende milhões”, mas isso não impede que novos pratos inspirados em pratos como o Bacalhau à Brás ou nas Amêijoas à Bulhão Pato surjam e tenham muito sucesso. No entanto, a “modernidade não pode criar ruturas face à identidade de um prato e as receitas com bacalhau são das mais adulteradas”. Uma boa gastronomia, “deve ter história, envolver cultura, situar-se num território, respeitar os produtores locais, mostrar técnicas e manter a receita”, concluiu.

Inês Diniz, do restaurante Casa Inês no Porto, conhecida pela sua cozinha bem portuguesa onde podemos destacar, entre outros pratos, a aletria criada pela sua mãe e as rabanadas em pão de Padronelo, explicou o sucesso e nascimento dos filetes de polvo com arroz do mesmo, no restaurante dos seus pais. Este era referência pelos seus filetes de pescada mas como nem todos os dias havia pescada fresca nas lotas da Póvoa de Varzim e Matosinhos, seu pai, teve de criar novos pratos, surgindo os filetes de polvo com arroz do mesmo, receita bem-sucedida que aproveita todo o polvo (desde a cabeça às pontas dos tentáculos).

Por sua vez, Renato Cunha, do Restaurante Ferrugem em Famalicão, explicou a criação da sua manteiga de azeite apresentada numa bisnaga inspirada na bisnaga Pasta Medicinal Couto, um produto tradicional apresentado de forma diferente: “é a nossa identidade que traz riqueza à mesa portuguesa”, afirmou.

 “Há dois tipos de cozinha, a boa e a má” – conclui Renato Cunha fugindo à dicotomia tradicional e contemporânea, porque técnicas novas, que rentabilizam as proteínas, podendo aproveitar o melhor da cozinha tradicional, às vezes com excesso de gorduras.

Francisco Gomes, da Pastelaria A Colonial em Barcelos, um seguidor e estudioso da pastelaria francesa, tendo realizado estágios com o chef de pastelaria Pierre Hermé, não tem receio em afirmar que a “doçaria portuguesa pode ser vista como alta pastelaria, tal como a Francesa”.

Rui Martins, Chef cozinheiro do ano e chef de cozinha dos hotéis A Brasileira e Pestana Vintage no Porto, coloca na balança uma cozinha para restaurante vazio ou que enche a sala. “A sala cheia permite-me cozinhar o que o cliente quer e como eu quero, também” destacou. Referiu ainda que as opções dos clientes e certas restrições alimentares obrigam a alterar algumas das receitas tradicionais, sendo que nesse caso já temos que dar outro nome aos pratos.

Victor Peixoto, do Restaurante O Victor, na Póvoa de Lanhoso, hoje com 80 anos, tendo começado aos 16 anos a levar bacalhau aos trabalhadores do lagar do pai, defende que o “prato tipicamente português é o bacalhau e não há nada melhor que este prato e um bom vinho regional, desde há muitas décadas, especialmente no interior do país onde é difícil o acesso a outro peixe e a peixe fresco”.

Arnaldo Azevedo, do Restaurante Palco, no Hotel Teatro, no Porto, falou das suas origens, uma vez que cresceu na cozinha do restaurante dos seus pais, onde o pai Arnaldo Azevedo cozinhava e a mãe Manuela servia às mesas, e como estes foram inspiração e preponderantes na sua escolha de vida. Apesar das suas formações e estágios com grandes chefes da cozinha internacional, este nunca esquece quando cria os seus pratos, das suas raízes e da cozinha tradicional portuguesa.

Justa Nobre, do restaurante Nobre e À Justa em Lisboa, referiu como foi fazer uma carreira na cozinha e ter uma família, que as dificuldades de horários não a demoveram e nunca desistiu, mantendo uma família unida e uma sólida carreira de sucesso. Explicou ainda, porque existem tão poucas mulheres chefes de cozinha, apesar de dizerem que “a cozinha é coisa de mulheres”.

António Carvalho, do Restaurante Brasão em Felgueiras, contou como as suas inúmeras visitas ao Brasil deram origem ao seu mais famoso prato, o costeletão de vitela, que demora oito horas a grelhar. “Sou curioso e foi em Terras de Vera Cruz que descobri esta especialidade e melhorei para adaptar ao paladar português”. Este antigo seminarista, também conhecido pela sua “sopa de garoupa”, duas vezes premiada com ouro, defende que o essencial “são os produtos com qualidade, sejam a carne ou o peixe”.

A terminar, mais umas interessantes lições de história de Virgílio Gomes, como a do molho de Chantilly, cujo nome está ligado ao castelo onde habitava um príncipe que se opunha a Luís XIV. O Rei aliou-se ao príncipe não para ficar com o castelo, mas com o cozinheiro.

“Sabiam que a primeira receita do cozido à portuguesa, que para alguns chefes, é o prato português por excelência, é de origem castelhana, como consta da sua primeira receita datada de 1680?”

Foi sem dúvida uma tarde muito enriquecedora sob o ponto de vista cultural, social e pedagógico pois num mesmo espaço por iniciativa do Curso de Cozinha/Pastelaria juntamos individualidades de referência gastronómica do nosso país com futuros profissionais da área.

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