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Carvalho da Silva proferiu conferência sobre as grandes questões do mundo do trabalho

Carvalho da Silva proferiu conferência sobre as grandes questões do mundo do trabalho

AQUI HÁ CULTURA!

A Biblioteca Professor Machado Vilela recebeu no salão nobre a conferência “Trabalho e Sindicalismo: grandes questões do Estado Novo ao presente”, proferida por Manuel Carvalho da Silva, antigo secretário-geral da CGTP. O colóquio, realizado no âmbito do Projeto AQUI HÁ CULTURA!, serviu para refletir sobre as grandes questões do sindicalismo e da sociedade portuguesa, desde o Estado Novo até à atualidade sem esquecer o contexto internacional em que se vive.

Esta conferência assumiu particular relevância face ao atual contexto político e social que vai exigir “um esforço grande de memória”, porque “há dinâmicas antidemocráticas no nosso país e no mundo com muita força e um dos seus instrumentos é o apagamento da memória”. Esse apagamento da memória é depois usado por essas mesmas forças antidemocráticas com um sentido manipulador. São novos desafios que exigem a todos capacidade de diálogo com quem pensa de modo diferentes mas, avisa Carvalho da Silva, sem abdicar da determinação em relação ao futuro.

A questão do futuro esteve aliás muito presente na apresentação do interlocutor que mostrou inquietação pelo facto de o futuro ser falado aos mais jovens como algo “distante e carregado de cenários apocalípticos” em relação ao mundo e ao emprego. Face a esta problemática a formação tem um papel importante, pois o país não “precisa de “pessoas com formações indefinidas”, mas antes de “pessoas com formações muito concretas”. Alertou ainda para que não se substitua as profissões por “uma designação generalista” e para que não se percam os “valores de universalidade” de uma sociedade.

O sindicalista traçou um cenário do passado em ditadura, marcado pela pobreza extrema e pelo atraso social e económico. Lembrou o que era o Portugal do Estado Novo: um país maioritariamente rural, com uma elevada taxa de mortalidade infantil, onde muitos viviam sem as condições básicas de vida e pela “negação do desenvolvimento do país”, ou seja, pela ausência da livre-iniciativa industrial, que era restringida. Mas a desmistificação do período ditatorial não se ficou pelos factos ou números, Manuel Carvalho da Silva recorreu à sua própria experiência pessoal, semelhante a tantos que viviam no mundo rural. “Ainda hoje não me esqueço do toque de sino quando morria uma criança”, realçou. “Eu vi cenas chocantes. Eu vi crianças dentro de espaços fechados enquanto as mães andavam a sachar o milho, na maior porcaria. Não havia tempo. Os meus pais trabalhavam de sol a sol e depois ainda tinham de tratar do gado.”

Para além destas fortes privações, havia um afastamento generalizado do povo da vida política, como, por exemplo, as restrições ao direito de voto. Por tudo isso, torna-se essencial realçar nestas comemorações de 50 anos de Democracia que Portugal era “um país muito atrasado no contexto internacional”, sem no entanto esquecer o que está mal no nosso país.

Assim, as transformações que o 25 de Abril proporcionou a nível sociopolítico, económico e cultural, são cruciais e devem ser valorizadas. Manuel Silva Carvalho lembrou o avanço da luta sindical na segunda metade da década de 60 que trouxe “uma agenda sindical riquíssima”, como, por exemplo, a introdução da contratação coletiva, a legislação sobre o horário de trabalho, a semana inglesa e as propostas para a Segurança Social e Serviço Nacional de Saúde. Recordou peripécias deste período de luta sindical na clandestinidade que culminaram no golpe militar que deu o 25 de Abril. Para o antigo secretário-geral da CGTP, as razões do sucesso das Forças Armadas no 25 de Abril têm a ver com a existência de um programa muito concreto e bem conseguido, a proximidade ao 1º de Maio, a “explosão de direitos e a sua consagração” após o dia da revolução e a qualidade dos primeiros constituintes da democracia portuguesa.

Sobre a atualidade que marca e deve marcar o 25 de Abril, mostrou-se preocupado pela ausência de temas internacionais na campanha eleitoral para as eleições de 10 de março, pois é ela que vai determinar o sistema económico mundial com impacto no mundo do trabalho. A guerra, afirmou Manuel Carvalho da Silva, será a crise mais grave que terá impactos na vida de todos os europeus, pois assiste-se, para sua preocupação, a uma introdução de políticas belicistas na Europa. “A União Europeia está neste momento a trabalhar para uma economia de guerra e isso tem implicações”. A guerra, na sua visão, é a “crise das crises” porque em nome dela sacrifica-se tudo incluindo os direitos fundamentais. “A mim custa-me ver como se introduz a ideia aos jovens de que eles podem ir para a guerra”, salientou. Nesse sentido, a luta pela paz torna-se muito importante.

Deixou ainda um aviso para a “institucionalização da crise”, a que se assiste hoje de forma cíclica. Sendo verdade que existem crises com a climática, para a qual é preciso chamar a atenção, o autor vê a realidade da guerra como a maior das crises.

Existem outros desafios que são lançados no mundo do trabalho, como o aumento do número de trabalhadores por conta de outrem, o surgimento de novas realidades como teletrabalho, que coloca um desafio à organização do trabalho e vida pessoal, e as migrações. Esta última vai, segundo o interlocutor, implicar uma sociedade composta por vivências diferentes e apresentar vários desafios, especialmente na educação. Destacou que existem apenas neste momento duas visões conflituosas: uma positiva, mas apenas utilitarista; e outra como uma “expressão definitiva do mal”. Sobre esta última, afirmou que “se fosse aplicado aos portugueses do século passado o que se receita hoje para a imigração, os portugueses eram todos repatriados da fronteira com a Espanha para as prisões da PIDE. Isto é de uma irracionalidade total.”  Para resolver estes problemas no trabalho, disse o antigo sindicalista, é preciso resolver problemas estruturais, pegando em exemplos positivos daquilo que se foi adquirindo.

A realidade do trabalho também está a sofrer alterações profundas, pois os contextos tecnológicos e sociais mudaram. A introdução da Inteligência Artificial, que se acreditava que ia obrigar a imensas alterações, afinal pode incrementar imensas especialidades.

No final da apresentação, houve espaço para o debate que abordou temas como o sentimento de descontentamento que se vive em Portugal, os movimentos inorgânicos convocados pelas redes sociais e as dificuldades que os sindicatos enfrentam atualmente.