A política partidária cada vez parece menos atraente e facilmente vemos quem tem mais capacidades: seja pela via académica, profissional, ou pela experiência no terreno via ativismo a querer falar e pensar a política, mas a negar-se à exposição pública pela via partidária. Este afastamento leva a um vazio surgente na política portuguesa de talentos consequentemente preenchido por pessoas formatadas nas juventudes partidárias, em muitos casos sem exercerem o espírito crítico, que um ativista experimenta por ter um acesso aos acontecimentos de fora, no todo, e por norma a defender quem não tem voz ativa no espaço público por uma panóplia de motivos. Platão denunciava esta realidade quando alerta que o afastamento dos bons leva os menos capazes ao poder e todas as consequências que daí derivam.
Do afastamento, notório, dos jovens da política, mesmo os que estudam áreas que facilmente naturalizariam este caminho há, em contrapartida, facilidade em atrair jovens para o ativismo.
Numa reflexão rápida sobre as premissas supracitadas verifica-se que as causas, o ativismo, o associativismo, reuniões, manifestações são partes da ação, ou seja, da política, logo o afastamento é da política partidária manchada por escândalos de corrupção, promessas, distanciamento dos desafios que enfrentamos como humanos e não da política traduzida como vivência com outros. Encontramo-nos, aparentemente, numa dicotomia da atividade política, no entanto a via não partidária é uma condição humana, nos gregos estabelecia-se na ágora e surge, hoje como sempre, na relação estabelecida entre os homens. Esta segunda possibilidade abriga o ativismo político, independente da militância ou de uma posição no espectro político tradicional e dualista permitindo a cada ativista pensar por si, refletir e com base numa ou várias causas, agir através do corpo ocupando o espaço público. Este reaparecer é um renascimento, como Hannah Arendt ilustrou, onde há a concretização do homem enquanto animal político, a frase aristotélica que define o homem como um ser social que sem os seus semelhantes, sem a sua família, a primeira organização política da pólis e sem os outros cidadãos não se realiza.
A liberdade que o ativismo, ainda que no campo informal e introspetivo, permite avaliar o mundo à nossa volta é uma mais-valia porque fomenta o pensamento crítico, o pensar sem corrimão que Hannah Arendt defende. Como tal é possível e recomendável pensar a política como o todo, a coisa pública, tudo o que acontece entre homens, algo que convoca todos os humanos e os diferencia, já que o afastamento torna-nos indiferenciados. O indiferente tem uma postura não política, é o animal “laborans” que vive fechado em si mesmo, sobrevive com os seus, ocupa-se da manutenção da própria vida e permanece distante do mundo, a casa que todos partilhamos e nos torna humanos. O indiferente perpetua no século XXI tendendo a crescer, porque a causa pública apresenta-se cada vez mais como palco de agressão em vez de discussão, corrupção em vez de cooperação, ódio em vez de solidariedade e este homem aceita uma liberdade negativa que o separa do mundo: vive, trabalha, procria, mas longe do espaço público onde acontece a ação, uma atividade entre os homens e sem a mediação da matéria correspondente à condição humana da pluralidade. Hannah Arendt quando apresenta na obra Condição Humana três atividades: labor, trabalho e ação mostra a sua relação com a natalidade e mortalidade. No labor garante-se a sobrevivência da espécie, no trabalho os artefactos que ultrapassam em tempo a vida do seu criador, na ação a preservação dos corpos políticos e a condição de criar memória e a história feita entre os homens nas diferenças e na mesmidade.
Os indiferentes, que abdicam da ação e se fecham em si mesmos, são facilmente seduzidos por movimentos populistas e conquistados com discursos perigosos que despertam o apetite para o poder, no entanto têm desconhecimento do funcionamento do espaço público e acabam por impor interesses individuais e atacar a diferença por não saberem viver entre os homens, tornando-se facilmente peças de partidos extremados sustentados por chavões sustentados em premissas como: a economia melhora com o término de subsídios a minorias, os crimes hediondos combatem-se com castigos severos, mas estes leads vendáveis denotam somente milagres e um total desconhecimento do espaço público.
A constituição em vigor em Portugal datada de 1976 permite ao ativismo político, organizado através de movimentos independentes, aceder a cargos políticos nas autarquias e juntas de freguesia, ou seja um grupo de cidadãos com um determinado número de assinaturas validadas de acordo com a lei podem efetivamente ir a eleições, no entanto não podem ir para o parlamento, já que prevalece a entrada via partido político. Contudo, o ativismo nas suas várias formas de luta e posicionamento no espaço público não precisa de cargos políticos, as massas organizadas, preparadas e conscientes da vida política podem agir e exercer pressão no poder político através de petições, manifestações, ações digitais fundamentais para legislar políticas de grande importância para uma fração da população e no geral para elevar a igualdade e perpetuar a missão de abrir o espaço público a todos.
O ativismo caraterizado por agentes que lutam pelo estabelecimento de consensos no espaço público visa dar voz a quem não a tem, um renascimento na presença dos outros e num espaço que deve ser plural onde há perceção de diferenças, coragem e vontade para sair da esfera privada em direção à pública. O acesso da internet e, consequentemente, o surgimento das medias digitais estimulou mais o ativismo através da criação de formatos diferentes de organização política permitindo ao sujeito criar mais redes e relações sociais que interferem na sua construção como sujeito de uma comunidade. As redes sociais não são uma entidade em si, mas outra forma de projeção do eu, onde se partilham valores e criam-se redes para apoiar ações, divulgá-las e comunicar sem depender dos meios de comunicação tradicionais. Esta forma de conectar outras pessoas e derrubar o espaço e o tempo físico permite agilizar ações e mobilizar pessoas em prol de algo em comum, porém o digital pela ausência da presença física, pelo anonimato e pelo individualismo vigente nem sempre permite ter retorno no espaço público e esta ferramenta, que em parte facilita o ativismo, também se revela espaço para destilar ódio e confundir teorias aliadas à imaturidade política dos indiferenciados por não terem experiência de vivência no espaço público.
Em síntese, o ativismo político enfrenta várias provas, mas é factual a atração que provoca nos jovens contrariamente aos partidos políticos. Se questionarmos alunos do ensino superior e jovens em geral, facilmente vemos que as causas são motivo para presença no espaço público contrariamente à filiação e às campanhas tradicionais dos partidos políticos, e se o ativismo pelo seu ADN de mudança e desejo de criação de uma sociedade melhor pode apaziguar extremismos e criar uma sociedade mais equitativa já é uma vitória.