Literacia de Adultos e Cidadania

Luís Rothes

Professor Coordenador na Escola Superior de Educação do Porto

In Revista TER 34

Uma educação para a cidadania e é exigente nos seus propósitos, como o é também nos seus processos: exige práticas democráticas no quadro de ações partilhadas colectivamente que visem o desenvolvimento social e a transformação democrática das instituições sociais. Desenvolvimento e democracia são pois dois processos indissociáveis e constituem simultaneamente referências essenciais de uma educação para a cidadania.

A democracia é aqui entendida numa concepção alargada de processo pluridimensional que envolve: a realização e garantida de liberdades e direitos, nas suas diferentes gerações; a redução das desigualdades no acesso a recursos disponíveis e a afirmação da equidade das diferentes condições; a participação alargada nos processos de elaboração, decisão e execução das decisões relevantes ao funcionamento das instituições sociais.

A democracia nunca é pois um processo perfeito ou esgotado, que valoriza os aspectos “formais”, reconhecidos como essenciais, mas que a eles não se limita. A democracia aposta na participação dos cidadãos, na capacidade de as pessoas, grupos e comunidades se implicarem na vida cívica; acredita-se que assim serão mais capazes de ler criticamente a situação em que vivem e de se envolverem ativamente nos processos de desenvolvimento e na construção de espaços mais intensos de cidadania.

Esta participação é sempre socialmente condicionada, envolvendo sempre cidadãos sociais com condições e poderes desiguais. Por isso promover a participação é também pugnar pela transformação das condições sociais que a limitam. Assim, a participação é um processo complexo que considera as limitações estruturais à sua realização e que faz emergir, como um dos seus eixos estratégicos essenciais, uma educação permanente para uma participação ativa, plural e democrática.

A educação para a cidadania é pois um processo permanente e plurifacetado, atentoespecialmente aos cidadãos mais penalizados do ponto de vista educativo, compreendendo dimensões decisivas para uma participação social e cívica, incluindo,designadamente, literacia, numeracia, capacidades digitais ou a capacidade de leitura da realidade natural e social, indispensável para todos os processos de implicaçãocívica.

É oportuno entretanto, sublinhar a importância decisiva das competências de literacia, compreendendo a utilização social da leitura e escrita, incluindo em meios digitais. Há uma convicção partilhada de que a posse e uso destas competências de literacia são verdadeiramente essenciais para a promoção de outras competências sociais, sendo, por isso, condição fundamental para uma vida autodeterminada, para a aprendizagem ao longo da vida, bem como para a participação. social e cívica.

A literacia é, com efeito, essencial para a concretização de uma cidadania ativa. Ela é essencial para que os adultos possam:

ler, compreender, analisar e interpretar informações;
separar factos de opiniões e discutir aparentes evidências;
discutir tópicos, considerar as opiniões dos outros e persuadir os outros de maneira apropriada;
elaborar cartas, petições e outros documentos;
apresentar informações e pontos de vista para diferentes públicos, através de imagens, fala e escrita.
 
Há dados bem preocupantes: em todos os países envolvidos no PIAAC, (Programmefor the International Assessment of Adult Competencies), um programa de investigação internacional, lançado pela OCDE para a avaliação direta das competências dos adultos, com idades entre os 16 e os 65 anos, indivíduos com menor proficiência em literacia são mais propensos do que aqueles com melhores competências de literacia a acreditar que têm pouco impacto nos processos políticos e a não participar em atividades associativas ou voluntárias. Para além disso, na maioria dos países envolvidos neste estudo, eles também são menos propensos a confiar nos outros.

Esta circunstância é ainda mais séria se considerarmos o modo desigual como as competências de literacia se revelam, em termos sociais. Com efeito, os estudos vêm deixando clara o modo como as seguintes dimensões se correlacionam com literacia:

Nível escolar: mais elevada nos mais escolarizados
Idade: mais elevada nos mais jovens
Regiões geográficas: mais elevada nas regiões mais desenvolvidas
Inserção socioprofissional: mais elevada nos quadros técnicos mais qualificados  e menor nos que não exercem atividade profissional.
 
Estamos perante um desafio decisivo: reforçar a consciência social sobre a relevância deste problema e a necessidade de se promover a literacia e a educação de adultos. Isso é essencial para conquistar a participação educativa dos adultos, promover a iniciativa social qualificada neste domínio e, obviamente, garantir que esta tema assuma, de modo consistente, uma indispensável prioridade política. Só assim poderemos dar passos significativos na promoção da literacia em Portugal. Como a Declaração dos Direitos de Literacia dos Cidadãos Europeus afirma, logo na sua introdução, “a literacia é fundamental para o desenvolvimento humano. Permite que as pessoas tenham uma vida plena e significativa e contribuam para o enriquecimento das comunidades em que vivem”.