De facto, se puderes abarcar o todo, o infinito não existe.
Alexandro Barrico
… e será possível atingir um todo sobre uma infinidade de situações que brotam a inspiração? – Talvez sim. Com certeza que sim. Mas, para tal ocorrência, os neurónios terão de estar leves, livres e desenvolvidos para permitir tal facto com algum interesse.
Pois é! Amiudadas vezes acontece angústia, que até se julga companheira inseparável pois que, na caminhada da vida, ao dobrar de uma esquina ela aí está sorridente com toda a sua força maligna que nos provoca um duro incómodo, instigando uma vontade desoladora.
Perante tão abstrante mas de extraordinária importância temática e frente a uma folha em branco, surge de imediato o apetite de arquivá-la no cesto dos papéis.
Como touro no meio da ponte hesito, seguindo em frente, uma infinidade de ideias sobrepondo-se a qualquer seleção que permita a prometida narrativa, se volto para trás, logo esbarro com a finitude do tema e daí ficar atarantado se essa corresponderá exatamente ao todo definidor.
Bom, mas prá frente é o caminho e tal obriga-nos arriscar a forma inspiradora. E que tal um andar despreocupado num abstracionismo pensante, talvez na esperança de um qualquer sopro ou até – e porque não – numa insuflação divina? – O pior é que poderá acontecer o contrário. Um bafejo diabólico. E depois… depois é que hoje, confesso, não estou muito p’raí virado. – Continuo a caminhar, com uma aragem primaveril na cara e de gravidez de belezas pelo verde em fundo, com flores multicores e de variadas formas já quase no Alto Minho e, de repente, num inexplicável gesto, salto um pequeno muro e arranco uma braçada de florinhas brancas, volto ao caminho e durante este exercício e sem qualquer tipo de raciocínio, oiço ao longe uma voz feminina que vocifera: – Oh Senhor, faço de conta que não vejo nada. Isto não é maninho, tem dono. E, como resposta: – faz muito bem não ver nada. Obrigado. Respirando fundo e sempre em frente, talvez pensando em muitas coisas, mas que agora não se lembra, entra numa povoação que lhe parece uma pequena vila, pelas casas e alguns estabelecimentos , e repara que de uma dessas lojas , ou talvez se possa ler vendas / mercearias /mercados / tabernas / cafés ou tudo ao mesmo tempo, saiu uma jovem de cabelos compridos, andar gracioso e de “chieira” com pisar natural, mas de escol citadino modelar em sentido contrário, ou seja, parecendo vir ao meu encontro; mas agora a observação é mais cuidada e extraordinariamente ampliada, pois desatou a mirar-lhe os peitos, os olhos verdes de trevo e a miúda com ares de conquistadora de mundos, empurra o circunstante para uma inspiração inexplicável por tão gentil criatura, a cinco metros mais ou menos, ela muda ligeiramente de rota, para não chocar de frente com o transeunte e quando os dois, lado a lado, se preparam seguir caminho e, naturalmente, ficarem de costas um para o outro, eu, o tal senhor, ou ela dá um passo lateral e ficam de frente um para o outro: desculpe, diz ele, ali atrás, de repente e sem pensar apanhei este ramo de flores, que nem sequer sei como se chamam, não reparando que ali perto estava a dona do terreno, que me chamou a atenção para a minha condenável atitude. Naturalmente que devia ter corado e perguntei a mim próprio o porquê de tal facto e não encontrei nenhuma resposta. Mas agora acabo por deparar com o motivo. Aqui está. Estas florinhas são para si. – Oh, obrigada. Que lindas gipsofilas. Encantada, mas creia que já tenho dono! – O quê? Alguma vez esteve à venda? – Riram-se os dois muito e entre gritinhos e gargalhadas com ela a mostrar-lhe o dedo anelar com uma argolinha salientando-se uma pedra que parecia ser preciosa. – O quê, já está nesse ponto? Pergunta ele numa interpretação de criatura espantada. – É verdade, responde ela de cabeça baixa com ar de falsa vergonha. Bom, mas podemos continuar o nosso caminho, não é verdade? Claro, respondeu ela, e até está a ser muito agradável, não acha? Oh “sacho”, gargalham a sublinhar a resposta dele. Mas, afinal quem é você, de onde vem e para onde ia? Muito simples, sou geólogo, venho de Santo Tirso e vou para Compostela para um encontro de colegas da mesma especialidade. O referido encontro tem início amanhã de manhã e como só são quatro da tarde, vinha devagar e reparei numa fonte junto à estrada, estacionei e fui beber uma água fresquíssima. Então resolvi caminhar um pouco e vim por aí fora. – E onde ficou o carro, perguntou ela? – Lá para trás, talvez a uns três quilómetros.
E pronto, lá foram andando e quando chegaram a uma sombra, debaixo de uma carvalheira, fizeram uma pausa, trocaram números do telemóvel e vejam lá, inspirados em não sei o quê, contavam lembranças de tempos idos, agora estavam nas suas adolescências. Ele lembrava-se que tinha vindo ao Prado jogar futebol por uma equipa juvenil do Tirsense; ela lembrava-se de uma viagem de fim de semana a Lisboa, onde no primeiro dia foram conhecer o Bairro Alto, passaram pelo Príncipe Real e foram almoçar em pic-nic ao Jardim Botânico. Sempre, sempre em sorriso continuado, lembra-se do ferrão que uma vespa lhe espetou e num berreiro ensurdecedor surge um rapaz que lhe agarra no braço onde o tal insecto pousou e, como um qualquer alicate, serve-se do polegar e do indicador, com uma soberba força repentina arrancou-lhe o referido grilhão. Comecei a limpar as lágrimas e numa mistura com sorrisos, agradeci intensamente o seu gesto e uma professora, numa fala muito alto, de longe disse-me: convida o jovem a almoçar connosco. Assim foi. Começou com um bolinho de bacalhau e quando nos separámos, o grupo já ia bem distanciado à frente, e na despedida beijámo-nos de uma forma breve mas atractiva. Aconteceu que até hoje os elos foram-se apertando e agora já marcámos a boda.
Oh deuses, quase em grito – disse o geógrafo com espanto Brandoniano! – Isso é que foi inspiração com sopro divinal. Sentimento profundo em estado espiritual e definitivo, até à morte.
Não, até à morte, não. E até poderá acontecer, respondeu ela. Uma inspiração, significará tão só um momento de vida. E a vida é movimento, é vida, é luz, é sombra, é lampejo, é influência, enfim, é vida. Tudo poderá acontecer!
Se eu fosse capaz, inspirava-me na sua estória e desembrulhava um poema. Permita que a trate por tu. Sim, claro. Até devia ter acontecido nas primeiras palavras. Mas, repito, não digas até à morte.
Não, e como diz o poeta:
Quando vens
nem
me vence
o dia
triste
e sei
que a morte
não existe.
Vamos andando. O carro está já aqui à frente e levo-te onde quiseres. – Nem penses, atacou ela. Estás nas minhas bandas e toda a gente me conhece. – Posso telefonar-te, quase em sussurro, murmurou o tirsense. Ela com rouquidão em fogo sagrado: não podes, deves. Espetando-lhe as unhas no pescoço, olhando-o nos olhos com profunda inspiração e atracção-íman dos lábios, trocaram um beijo breve e magneticamente atraente…
… de facto será melhor não abarcar o todo e o caminho faz-se caminhando…
E a vida continuará com mais ou menos inspirações.