Viver com aprendizagem ao longo de toda a vida

Ana Cláudia Valente

Vogal do Conselho Diretivo da Agência Nacional para a Qualificação e o Ensino Profissional

In Revista TER 31

Este ano, pela primeira vez, a Europa celebrou em paralelo e de forma articulada a Semana Europeia da Formação Profissional e a Semana Europeia da Aprendizagem ao Longo da Vida. Portugal seguiu a mesma linha e assim, quer no nosso País, quer nos outros Estados-Membros, de 20 a 24 de novembro, multiplicaram-se as iniciativas com o intuito de valorizar e de promover a educação e formação profissional e de alertar para a relevância destas aprendizagens, no contexto de uma aprendizagem que se faz ao longo da vida.

Esta conjugação de celebrações (entre a educação e formação profissional e a aprendizagem ao longo da vida) merece-nos destaque porque revela um reposicionar de conceitos, atribuindo-lhes os significados que nos parecem fazer sentido. Se efetivamente se aprende desde que se nasce até que se morre (ao longo de toda a nossa vida) não faz sentido que, em termos de práticas e de políticas, se pense numa educação e formação profissional ajustada às idades mais jovens (apenas na perspetiva de aprendizagem inicial) e numa aprendizagem ao longo da vida para as idades menos jovens (unicamente como uma segunda oportunidade). Até porque, nas linhas do tempo que definem a nossa existência, não há barreiras estanques que delimitem o nosso estado “jovem” ou “adulto”. Todas as vidas são contínuas e em todas há sempre espaço para aprendizagens, muitas vezes cumulativas, que acrescentam valor a quem somos.

Ainda que se compreenda que haja metodologias de aprendizagem diferenciadas consoante a nossa faixa etária, na realidade o que se aprende ou o que não se aprende numa idade tem implicações daí em diante e nos projetos de vida que cada um de nós constrói à medida que avança no tempo. Nada disto tem a ver com determinismos (até porque hoje o mais comum é que tenhamos de reconstruir percursos de vida e sobretudo de carreira ao longo da nossa existência, fruto das mudanças ditadas pela aceleração digital, pela globalização e ainda pelas alterações demográficas) mas, como é evidente, as opções de vida, de aprendizagem e as vivências que fazemos ou que preterimos vão definindo os percursos possíveis a que iremos tendo acesso.

Logo, é inevitável que, nestes trajetos de vida, as aprendizagens que tenhamos de fazer se entrecruzem com momentos de educação e de formação profissionais, alguns mais formais, outros menos ou até informais. O importante é que todos eles concorram para a obtenção de competências que, por seu turno, deverão favorecer o delinear e a prossecução dos nossos projetos de vida e de carreira, mantendo-nos sempre (em qualquer momento das nossas vidas) aptos e capazes de podermos ser empregáveis, inclusos e participativos nas sociedades em que vivemos.

Tudo isto parece evidente e inquestionável, mas as políticas de educação e formação que têm sido delineadas têm favorecido que assim seja? Têm contribuído para que todos, sem exceção, sejam capazes de obter sucesso nas suas trajetórias de vida, sustentadas na educação e formação, ao longo da vida?

Por mais que as intenções tenham sido essas, os resultados parecem apontar noutro sentido, obrigando-nos a parar para refletir.

Ainda este mês, o relatório anual da Comissão Europeia – Monitor da Educação e Formação 2017 – que retrata a evolução dos sistemas de educação e formação profissional da União Europeia, medindo os progressos dos diferentes Estados relativamente aos objetivos de Educação e Formação para 2020, trouxe a público evidências de uma realidade inquietante. Apesar de os sistemas de ensino e formação nacionais terem vindo a alcançar progressos ao nível da inclusão e da eficácia não estão a conseguir combater as desigualdades. A equidade no ensino ainda é um grande desafio, verificando-se que os sistemas vigentes tendem a perpetuar, entre gerações, as mesmas desigualdades. Continuam a não se adequar às pessoas provenientes dos meios socioeconómicos mais desfavorecidos e o estatuto social dos pais continua a ser determinante nos resultados escolares dos filhos. Perpetuam-se, assim, as situações de pobreza e reduzem-se as oportunidades de acesso ao mercado de trabalho e a vidas mais bem-sucedidas, sempre para os mesmos.

Os efeitos desta desigualdade, gerada pela incapacidade de se alcançarem níveis mais elevados de qualificação, são, de facto, assustadores, não só em Portugal como em toda a Europa. Este mesmo relatório revela que “as pessoas que completaram apenas o ensino básico têm quase três vezes mais probabilidades de viver em situação de pobreza ou de exclusão social do que as pessoas com o ensino superior”. Em 2016, por exemplo, “apenas 44% dos jovens dos 18 aos 24 anos que tinham concluído o terceiro ciclo do ensino básico estavam empregados”. O fosso entre os que têm menos e os que têm mais qualificações em termos de empregos é notório também quando alargamos as faixas etárias. O estudo já citado revela ainda que “no conjunto da população entre os 15 e os 64 anos, a taxa de desemprego é igualmente muito mais elevada entre as pessoas que têm apenas o ensino básico do que entre os diplomados do ensino superior (16,6% contra 5,1%)”.

Se atendermos ao estatuto socioeconómico, verificamos que o mesmo é também preditor do nível de sucesso passível de se alcançar. O estudo referido indica que “33,8% dos estudantes dos meios socioeconómicos mais desfavorecidos têm fraco aproveitamento, em comparação com apenas 7,6 % dos seus pares mais privilegiados”. Isto significa que, na Europa, os sistemas não estão a conseguir compensar as fracas condições de partida dos alunos e a situação é ainda pior se esses alunos forem migrantes.

Este insucesso torna-se indutor de abandono escolar precoce, com repercussões pela vida fora. Outros dados deste estudo relevam ainda que “em 2016, 33,9% das pessoas entre os 30 e os 34 anos residentes na UE mas nascidos em países terceiros eram pouco qualificadas (concluíram o terceiro ciclo do ensino básico ou menos), em comparação com apenas 14,8% dos seus pares nascidos na EU”.

Em suma, para podermos chegar a 2020 com um melhor desempenho em termos de metas nos domínios da educação e formação (ao nível do abandono escolar precoce, da escolarização da população adulta, do número de diplomados com ensino superior, do desempenho em ciências, matemática e leitura, da empregabilidade nos diplomados dos cursos profissionalizantes de nível secundário, e da participação em atividades de aprendizagem formal ou não formal) há que repensar e que atuar de modo mais consistente e transversal a todas as fases das nossas vidas.

Teremos de nos consciencializar de que, em educação e formação, o que se fizer de insuficiente nas idades jovens repercutir-se-á nas faixas etárias que se sucedem, porque se numa determinada etapa somos jovens noutras somos adultos, mas seremos os mesmos. Além disso, há efeitos de contágio entre gerações: se se negligencia uma geração, descurar-se-á também a geração seguinte.

Os sistemas de educação e formação só serão eficazes se forem também eles pensados ao longo de toda a vida e desenhados para cada ciclo da vida do adulto, cada um com as suas exigências e particularidades.