Saber estar (des)ligado

Feslibela Lopes

Professora Associada com Agregação
da Universidade do Minho

In Revista TER 22

Nunca, como hoje, acedemos a tantos conteúdos: agregadores de informação, sites noticiosos, redes sociais, meios de comunicação em permanência nos nossos periféricos móveis… Em qualquer lado, independentemente da altura, podemos saber o que está a acontecer. Mas seremos, na verdade, uma sociedade mais sábia ou, pelo contrário, vivemos pendurados na última coisa que acontece, sem disso conseguir construir qualquer referência?

Vivendo em constante agitação, não será simples cada um de nós travar a fundo para olhar com mais profundidade a vida de todos os dias. Tudo o que nos rodeia é pensado para funcionar cada vez mais depressa: carros, electrodomésticos, computadores… Mesmo a linguagem, que poderia passar por uma economia mais generosa, evolui por uma lógica de celeridade: as conversas constroem-se através de frases sincopadas, os sms’s desenvolvem-se subtraindo caracteres, os textos jornalísticos conquistam uma renovada agilidade que lhes retira contextos e hoje já poucos escrevem longos textos. Porque são poucos os que ainda têm essa capacidade e menos serão aqueles que evidenciam interesse na respetiva leitura. Estamos embriagados pela vertigem da velocidade e sem tempo para criar laços duradouros, profundos, daqueles que exigem tempo. Precisamente aquilo que nenhum de nós tem. Por isso, mergulhamos a fundo num universo virtual que nos oferece “amigos” numa escala colossal. Que medo!

Quem de nós pode dizer que tem 500 ou mil amigos? Ninguém de bom senso reconhecerá isso, se por amigos se considerarem aquelas pessoas de quem nós gostamos, que gostam de nós e com quem interagimos com alguma regularidade ou em quem confiamos o melhor de nós. Ora, numa rede como o Facebook, é relativamente fácil fazer-nos rodear de uma comunidade de mil, duas mil ou cinco mil pessoas que se designam como “amigos” e a quem (alguns de) nós vamos contando aquilo que nunca partilharíamos com um vizinho, ainda que não tenhamos problemas em fazê-lo em relação a quem desconhecemos praticamente tudo. E isso pode ser perigoso. Deveras perigoso.

Há uns tempos, a OBS (o novo nome da revista Nouvel Observateur)  colocava numa capa com fundo vermelho o seguinte título citação: “eles pediram-me para fazer uma atentado em França”.  No interior, relatava-se a história de Léa, uma jovem francesa de 15 anos, boa aluna, que vivia na província e que, um dia, colocou no Facebook esta mensagem: “queria que todas as asneiras que fiz fossem apagadas”. Passado pouco tempo, foi contactada, através da mesma conta do Facebook, por elementos do islão radical que, em dois meses, preparam a sua fuga para a Síria onde lhe prometeram que poderia ser enfermeira. Disseram-lhe para obedecer somente a Alá, não falar com os amigos e ficar em casa. Apenas poderia ficar conectada e através disso foi bombardeada com vários vídeos e muitas mensagens, falando-lhe do fim do mundo e anunciando-lhe que tinha sido escolhida para ir para Síria, passando antes pela Turquia onde iria casar e engravidar.  Desconfiados face ao comportamento da filha, os pais de Léa resolveram observa-la com mais atenção, vigiando inclusivamente o seu computador quando não estava em casa. Foi aí que descobriram que estava a preparar uma viagem para a Síria. Que foi ali abortada, apesar de a jovem continuar, sempre através do Facebook, a ‘conversar’ com os seus novos ‘amigos’ do islão radical que começaram a combinar com ela um atentado… em França. Que apenas não aconteceu, porque, na hora de o concretizar, a jovem arrependeu-se e contou tudo o que estava a preparar.

A história de Léa é verdadeira e deveria constituir para todos nós um sinal amarelo. De travagem para pensar o que fazemos da nossa vida cada vez que nos ligamos a um universo virtual para fazer corridas vertiginosas, sem delas retirar grandes benefícios.