O ativismo como elemento decisivo de mudança

Francisco Ferreira

ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável

In Revista TER 39

«Our lives begin to end the day we become silent about things that matter.»

Martin Luther King Jr

 

A destruição do ambiente e o desrespeito pela natureza estão assentes em princípios enraizados na sociedade consumista e economicista em que vivemos desde a revolução industrial nos séculos XVII e XIX.

A população humana encarou desde sempre a natureza como um recurso a explorar. Quando a população humana ainda era escassa, o seu efeito no ecossistema global era relativamente pequeno. No entanto, existem sobejos registos ao longo da história antiga de grandes impactos resultantes da presença humana.

O exemplo suicidário da Ilha da Páscoa é, ao contrário do que parece, apenas um entre muitos. As civilizações perduram enquanto o ambiente natural tem capacidade para as sustentar. Quando o ambiente fica degradado e os recursos escasseiam até as grandes civilizações têm um fim triste.

As razões da destruição do ambiente e do desrespeito pela Natureza são, portanto, inerentes ao funcionamento intrínseco da nossa sociedade.

Daí que não seja possível fazer ativismo ambiental ignorando a sociedade e, como tal, a política.

Pela sua própria natureza, o ativismo ambiental está destinado a ser um ativismo social e político tal como não se pode promover um desenvolvimento sustentável se não se ponderarem as dimensões social, económica e de governança.

O ativismo ambiental tem à partida uma abrangência muito grande de subtemas – a defesa da biodiversidade, da vida selvagem, a luta contra a poluição e o uso de plásticos, mas fundamentalmente um grande tema fulcral – a alteração do paradigma de uma sociedade consumidora, baseada no lucro e no ter, com consequências brutais no que respeita à crescente dimensão da pegada ecológica e às desigualdades, para uma sociedade agregadora, baseada na suficiência, na melhoria da qualidade de vida, na justiça social, na diversidade, na resiliência, no garante do futuro para as próximas gerações e no ser.

Para que a sociedade aprenda a respeitar e apreciar a Natureza e abandone as suas práticas agressivas, é preciso:

Educar. O acesso ao saber é fundamental para que as pessoas aprendam a pensar de forma independente sobre as coisas. O pensamento crítico, tão fundamental a uma sociedade evoluída aprende-se. Mas, para isso, é necessário um sistema de ensino de qualidade.

Cuidar. O acesso a uma saúde de qualidade reside em grande parte na educação. Para a maioria da população, a saúde constrói-se. Com uma boa alimentação, exercício físico e uma vida equilibrada, o nosso organismo tem capacidade para resistir às doenças. E isso ensina-se. Com a maioria da população saudável, os sistemas de saúde ficam consideravelmente menos sobrecarregados, passando a ter uma maior disponibilidade de recursos para atender quem realmente deles precisa.

Sustentar. A independência económica de um indivíduo é fundamental; é ela que lhe proporciona a subsistência, a sua autoestima e permite a constituição de uma vida familiar. A garantia de um salário justo em compensação de um trabalho prestado ou a capacitação de empreender são lógicas subjacentes à qualidade de vida de uma sociedade verdadeiramente evoluída.

Permitindo à pessoa a independência de escolha e de pensamento, a sociedade como um todo beneficia da originalidade e da diferença do pensamento de cada cidadão.

É aqui que entra o ATIVISMO. O ativismo defende os interesses maiores da sociedade como um todo e do indivíduo como ser individual e único.

Defende o direito à diferença e o dever de respeito por essa mesma diferença.

Luta pela justiça social, pela igualdade salarial entre géneros, pela representatividade, pela qualidade de vida, pelo direito à saúde, à educação e ao trabalho, pelos direitos da Natureza como um todo e por cada elemento da Natureza em particular, e acima de tudo, pelo dever que todos temos de respeitar os outros e o mundo natural.

É fundamental que todos se empenhem na mudança que desejamos para a sociedade em que vivemos. E quantos mais formos mais faremos a diferença.

Em cada um de nós, membros de uma sociedade funcionante, existe sempre um ativista.

Segundo a PORDATA, existiam em 2018, 100 organizações não-governamentais de ambiente (ONGA), tendo cada uma delas cerca de 2323 associados. Isto significa que existiam, grosso modo, 232 mil associados em Portugal.

Ainda segundo a PORDATA, população portuguesa tinha em 2018 cerca de 10 milhões de indivíduos. Isto significa que, em 2018, apenas 2,2% da população eram associados de uma ONGA e nem todos tinham uma voz efetivamente ativa.

Em contraste com o que acontece em países como a Holanda em que a maioria da população contribui ou é membro de uma organização não-governamental. Num país com cerca de 17 milhões de habitantes, existem quase 10 milhões de apoiantes/associados, quase tantos quanto a população portuguesa.

Estes números não querem dizer que as associações de ambiente em Portugal não sejam também representativas de uma larga percentagem da população; simplesmente não têm os associados que o comprovem.

A ZERO sabe que isso é uma lacuna grave num país como o nosso que tem tantos problemas ambientais para resolver e, a curto prazo, expectativas muito problemáticas de agravamento das alterações climáticas.

É assim fundamental apelar a colaboradores voluntários ativos que queiram fazer a diferença na nossa sociedade para participarem em organizações não-governamentais. A ZERO está a realizar um esforço grande na remodelação do seu funcionamento interno, para permitir a participação direta de todos aqueles que aspiram a fazer voluntariado, tendo em conta um envolvimento diferenciado de acordo com a disponibilidade e vontade de cada um.

O ativista trabalha normalmente em regime de voluntariado, com significativo esforço pessoal, mas obtém uma enorme satisfação em contribuir para um mundo melhor.

 

De forma individual ou coletiva, o que pode então hoje um Ativista fazer?

Em termos pessoais, e neste contexto de pandemia em que vivemos, podemos divulgar de forma bem clara no nosso círculo de influência um conjunto de ideias que farão a diferença para um futuro melhor e mais sustentável:

  • Compreender que a atual crise surge muito provavelmente do ultrapassar de barreiras entre a população humana e a vida selvagem que não deveria ter tido lugar;
  • Perceber que um melhor ambiente em termos de qualidade do ar e de outras componentes é decisivo para nos tornarmos mais resilientes;
  • Divulgar a necessidade de nos prepararmos para a crise climática e outras crises ambientais, nomeadamente decorrentes do excesso de recursos que usamos;
  • Aumentar o sentimento de comunidade e interajuda;
  • Estabelecer redes de ajuda junto dos mais vulneráveis;
  • Promover a economia de base local e nacional, em particular a agrícola;
  • Promover a economia circular, a possibilidade de reparação e da reutilização como promotoras do emprego local e regional;
  • Reduzir os níveis de consumo, aumentar a reutilização e o reaproveitamento de bens existentes, através de redes colaborativas de troca;
  • Apostar na reabilitação em vez da construção;
  • Reduzir as deslocações e as viagens;
  • Optar pela organização de eventos em formato virtual;
  • Defender os benefícios das reuniões virtuais e do teletrabalho;
  • Incentivar a aproveitamento das energias renováveis, que melhoram a eficiência energética e o conforto térmico;
  • Estabelecer redes colaborativas para a criação de novas atividades que fomentem a satisfação de necessidades locais e garantam a manutenção dos rendimentos no interior das comunidades;
  • Oferecer uma mensagem positiva assente no objetivo claro de reforçar a coesão social, promovendo o bem-estar da sociedade, dentro dos limites do planeta;
  • Divulgar e respeitar os valores europeus – dignidade humana, liberdade, democracia, igualdade, cumprimento da lei e os direitos humanos.

Mas o trabalho será sempre mais eficaz se aderir a uma associação e realizar o seu trabalho voluntário em conjunto com outros ATIVISTAS.

A partilha de ideias com pessoas com formação, ideias e experiências de vida distintas e com um objetivo comum – A DEFESA DO PLANETA – trará muito maior visibilidade e dará mais força às ONGA para exercer pressão sobre os órgãos do poder, sobre os mercados e sobre os operadores económicos, para que a mudança aconteça.