Inspiração

Fernando Fernandes

Músico
(Bed Legs, Ângela Polícia, Amante Negro, OSSO)

In Revista TER 35

A inspiração é vida em si. Para te inspirares é preciso viveres, abraçares a vida. Inspirar e expirar, inspirar e expirar. Inspirar de novo. A inspiração acontece quando absorves vida.

Tudo o que se passa em teu redor é captado através dos teus sentidos. Somos uma espécie de molde onde a vida se instala e toma a nossa forma, um canal irregular e assimétrico por onde o fluxo aleatório e selectivo da vida atravessa todos os dias. (Canal esse que se vai toldando consoante o teu percurso de vida, adquerindo a forma como a vida te molda. Ou contrário, se assim o quiseres.) Porém, para que esse fluxo circule sem obstáculos supéfluos é necessário que esse canal esteja desimpedido para que as ideias e o processo de trabalho sejam fluídos. É necessária a realização e concretização das ideias que a inspiração nos concede.

A não concretização dos projectos faz com que acumulemos tarefas, preocupações desnecessárias e frustrações que irão entupir esse canal, consequentemente a nossa motivação e entusiasmo.

A inspiração não é algo palpável, algo que possamos capturar e ser senhores dela. Muitas vezes, inspiramo-nos depois de muito trabalho e suor. Outras vezes, parece que somos o canal escolhido por ela. Organizada e aleatória, como a vida.

O mundo que nos rodeia, temos de o respirar, temos de o mastigar, processar, cozinhar, fermentar e finalmente expirá-lo. Nem sempre acordamos com vontade de viver, com vontade de sentir, com vontade de criar, de nos inspirar ou inspirar outros mas a vida e o mundo em volta não cessam a sua actividade.

Circulam em expansão, prontos para serem captados por uma antena ou canal qualquer que se tenha sintonizado, ou por outras palavras, inspirado.