Imigração, Pobreza e Inclusão Social em Portugal

Catarina Reis Oliveira

Diretora do Observatório das Migrações e Docente Universitária

In Revista TER 46

No contexto europeu, os estrangeiros extracomunitários residentes apresentam maiores riscos de pobreza, maior privação material, têm tendencialmente rendimentos mais baixos e vivem em piores condições que os nacionais dos países europeus (Oliveira, 2022). Estes resultados de maior vulnerabilidade ou de exclusão social dos estrangeiros não induzem, contudo, necessariamente, a maior prevalência no acesso e benefício de proteção social destes residentes nos países europeus.

Em Portugal, na realidade, quando se analisam os dados dos beneficiários de prestações sociais e dos contribuintes, observa-se que os estrangeiros residentes continuam a ter menos beneficiários do sistema de proteção social por contribuintes que os nacionais. Por outro lado, verifica-se que a relação dos contribuintes por total de residentes é mais favorável para os estrangeiros que para o total de residentes, verificando-se por isso que os estrangeiros assumem maior capacidade contributiva e são necessários para apoiar a sustentabilidade do sistema de Segurança Social português.

Este artigo procura desconstruir alguns erros de perceção que persistem em torno da imigração e da sua relação com o sistema de segurança social.

 

Imigração, uma sobrecarga para a segurança social?

À semelhança de outros fenómenos sociais, há em torno da relação entre imigração e inclusão social alguns mitos que tendem a distorcer os factos. Em alguns países tem sido por vezes defendido que, atendendo ao maior risco de pobreza e de exclusão social dos imigrantes, a imigração tem iminentemente objetivos de maximizar apoios públicos, nomeadamente do sistema de proteção social dos residentes e, assim, desgastar as contas públicas das sociedades de acolhimento.

Gráfico 1. Ponto da escala (de 1 a 10) se situa a opinião sobre os imigrantes são uma sobrecarga
para a segurança social (1) ou os imigrantes não são uma sobrecarga para a segurança social (10), European Values Study (2017/2019)
Fonte: European Values Studies 2017/2019 – EVS (elaboração da autora).

Embora Portugal tenda a surgir no grupo restrito de países onde a maioria da população é da opinião de que os imigrantes não são uma sobrecarga para a segurança social, a opinião mais desfavorável de que os imigrantes são uma sobrecarga para a segurança social dos países de acolhimento associa-se à falsa perceção de que os sistemas de proteção social funcionam como um “íman para as migrações”. Os dados ajudam, contudo, a desconstruir esta ideia de que a imigração é atraída por sistemas de proteção social mais generosos. A distribuição internacional dos imigrantes não está diretamente correlacionada com a generosidade dos sistemas de segurança social: observam-se países que captam muitos imigrantes ainda que não sejam os mais generosos na percentagem do PIB que alocam para proteção social das suas populações residentes (e.g. Luxemburgo, Malta, Chipre), tanto como países que não se assumindo como principais destinos de imigração na Europa são mais generosos nos gastos públicos com a proteção social dos seus residentes (e.g. Finlândia, França).

Importa atender que os gastos com proteção social atende também aos efeitos do envelhecimento demográfico em cada país. Tal é particularmente evidente no caso de Portugal, decorrente da posição que ocupa entre os países com mais gastos em proteção social devido em grande parte ao envelhecimento demográfico sentido (Peixoto et al., 2017). Neste âmbito a vinda de imigrantes laborais e contributivos ativos ajuda, por contraponto, a atenuar e a sustentar os níveis de despesa com proteção social do país. Essa ilação é rapidamente demonstrada a partir dos dados nacionais que evidenciam não apenas como o saldo do sistema de proteção social português tem sido muito positivo com os contribuintes estrangeiros (mesmo em anos de crise económica em que aumentaram os beneficiários de proteção social), como também mostram que a imigração é para Portugal essencialmente ativa e contributiva, ajudando de forma inequívoca para contrabalançar as contas públicas da Segurança Social, constituindo-se como uma dimensão importante do reforço e sustentabilidade do Estado social em Portugal (Oliveira e Peixoto, 2022).

Imigração e risco de pobreza ou exclusão social

O risco de pobreza afeta de forma diferenciada as diversas nacionalidades de residentes em cada país. Globalmente no contexto europeu os residentes estrangeiros, em particular os nacionais de países extracomunitários, apresentam maior risco de pobreza ou exclusão social. Embora Portugal apareça bastante abaixo da média europeia, os estrangeiros extracomunitários residentes assumem mais 15 pontos percentuais de risco de pobreza ou exclusão social que os nacionais portugueses em 2021. Um panorama distinto surge quando a comparação dos riscos de pobreza e exclusão social é feita com os estrangeiros nacionais da UE27, refletindo que estes últimos assumem rendimentos líquidos mais altos e por isso apresentam menores riscos de pobreza ou exclusão social.

Gráfico 2. Diferença (em pontos percentuais) do risco de pobreza ou exclusão social da população estrangeira de nacionalidade de países extracomunitários e de nacionalidade de um país da UE27 face à população nacional (18 ou mais anos), por país da UE, em 2020 e 2021
Fonte: EUROSTAT, Income and living conditions (sistematização e cálculos da autora).

Em Portugal o risco de pobreza ou exclusão social afeta de forma diferenciada os indivíduos de acordo com a sua nacionalidade. Enquanto os cidadãos de nacionalidade portuguesa apresentavam uma taxa de risco de pobreza de 22,1% em 2021, essa taxa sobe, respetivamente, para 37,4% no caso dos cidadãos estrangeiros extracomunitários residentes no país, ou seja, este último grupo com +15 pontos percentuais. Já no caso dos estrangeiros da UE27 residentes em Portugal o risco de pobreza ou exclusão social desce para 12,8% em 2020, embora subindo para 27% em 2021, ou seja, -7pp que os nativos portugueses em 2020 e -8pp que os estrangeiros extracomunitários residentes em 2020, passando a +5pp que os nativos portugueses em 2021 e -10,4pp que os extracomunitários em 2021.

Importa atender, porém, que estes resultados associados à maior vulnerabilidade e riscos de exclusão social dos estrangeiros não induzem, contudo, à maior dependência pela proteção social do país, devendo analisar-se detalhadamente a efetiva relação dos estrangeiros residentes com o sistema de proteção social português, enquanto contribuintes e enquanto beneficiários do contrato social que assumem em Portugal. Uma análise atenta destes últimos indicadores administrativos permitem desconstruir a falsa perceção que maior risco de pobreza induz a maior dependência do sistema de proteção social do país de acolhimento.

Estrangeiros no Sistema de Segurança Social em Portugal

O sistema de Segurança Social português, à semelhança do verificado nos demais Estados sociais, define um contrato social entre o cidadão contribuinte e o Estado, no qual é estabelecido que, como contrapartida de contribuições, há a proteção do cidadão em caso de doença, de desemprego, de parentalidade, de invalidez, de velhice, de acidente de trabalho, de doença ocupacional, de óbito, entre outras situações que careçam de proteção social. Os estrangeiros residentes contribuintes que estabelecem este contrato social com o Estado social português adquirem, pois, estes direitos de proteção como os demais contribuintes.

Gráfico 3. Saldo das contribuições e prestações sociais relativas à
população de nacionalidade estrangeira, entre 2002 e 2021 (milhões de euros)
Fonte: MTSSS-Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (sistematização e cálculos da autora).

Em Portugal, a relação entre as contribuições dos estrangeiros e as suas contrapartidas do sistema de Segurança Social português, são bastante favoráveis para contrabalançar as contas públicas nacionais, constituindo-se como uma dimensão importante do reforço e sustentabilidade do Estado social do país. Nos últimos anos foram atingidos saldos financeiros bastante positivos e inéditos para Portugal, atingindo-se o valor mais elevado de sempre de +968 milhões de euros em 2021. Verifica-se, pois, que a relação entre as contribuições dos estrangeiros para a segurança social (+1.293,2 milhões em 2021) e os gastos do sistema com prestações sociais de que os contribuintes estrangeiros beneficiam (-325,2 milhões em 2021) é bastante positiva e favorável em Portugal. Em 2020 e 2021, essencialmente em virtude do contexto pandémico e da ativação de inúmeros mecanismos de proteção social para a população mais afetada pelos efeitos dos confinamentos, verifica-se um incremento das prestações sociais (lado da despesa mais que duplica em 2020, voltando a incrementar em 2021) que foi amplamente compensado pelo incremento das contribuições dos trabalhadores estrangeiros (que ultrapassam pela primeira vez os mil milhões de euros a partir de 2020), explicando-se deste modo a evolução do saldo da segurança social com os estrangeiros residentes.

A análise da capacidade contributiva da população estrangeira é também fundamental para compreender a vitalidade do seu papel para o sistema de Segurança Social português. Mantendo a tendência dos últimos anos, em 2021 continua a verificar-se que a relação dos beneficiários por total de contribuintes e de contribuintes por total de residentes continua a ser mais favorável para os estrangeiros que para o total da população residente em Portugal. Os estrangeiros mantêm mais contribuintes por total de residentes que o total da população: no caso dos estrangeiros a relação é de 68 contribuintes por cada 100 residentes; quando para o total da população a relação é de 46 contribuintes por cada 100 residentes.

Verifica-se, por outro lado, que os estrangeiros, por comparação ao total de residentes em Portugal, continuam a ter menos beneficiários de prestações sociais por total de contribuintes: no caso dos estrangeiros a relação foi de 28 beneficiários por cada 100 contribuintes em 2019, subindo porém para 52 e 50 beneficiários por cada 100 contribuintes, respetivamente, em 2020 e 2021; quando para o total dos residentes a relação foi de 58 em 2019, de 83 em 2020 e 77 beneficiários por cada 100 contribuintes (sendo 2020 e 2021 anos atípicos nestes indicadores atendendo ao contexto pandémico da COVID-19 e de grande incremento dos beneficiários no quadro da criação de mecanismos especiais de proteção, nomeadamente em caso de doença).

Verifica-se que os estrangeiros têm mais 48 pontos percentuais de contribuintes por total de residentes que de beneficiários em 2019, quando a relação para o total da população foi de apenas mais 19 pontos percentuais. Em 2020 e 2021, porém, sendo anos atípicos pelos efeitos da pandemia nestes indicadores, observa-se uma ligeira diminuição do número de contribuintes estrangeiros por total de residentes (passam a ser 64 em 2020, ou seja, -3 que em 2019, embora recuperando para 68 em 2021, +4 que no anterior) e um aumento da proporção de beneficiários por total de residentes estrangeiros (passam a 33 em 2020, +14 beneficiários por 100 contribuintes que em 2019, e 34 em 2021, +1 beneficiário que no ano anterior), verificando-se ainda assim que os estrangeiros têm mais 31 e mais 34 pontos percentuais de contribuintes por total de residentes que de beneficiários por total de residentes, respetivamente em 2020 e 2021, quando a relação para o total da população foi de apenas mais 8 e mais 11 pontos percentuais, respetivamente em 2020 e 2021.

Importa reconhecer que a evolução da última década integra também os impactos de mudanças no regime jurídico de proteção social. Desde logo realce-se as mudanças introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 133/2012, de 27 de junho que tiveram como consequência a diminuição do número global de titulares de prestações sociais (e, especialmente, de titulares estrangeiros) e dos montantes de prestações sociais atribuídas e que induziram a um alerta do Tribunal Constitucional (Acórdão n.º 296/2015) que conduziu, a partir de 2016, à correção de várias das disposições definidas em 2012, sendo recuperadas regras do regime de proteção social de 2010. Por outro lado, em 2018 é revisto o regime jurídico da Proteção Social na eventualidade de doença, desemprego e parentalidade com o Decreto-Lei n.º 53/2018, de 2 de julho, o que induziu a um incremento dos beneficiários destas prestações sociais nos dados dos anos mais recentes. Destaque-se ainda a introdução da medida atribuição de NISS na hora a partir de 1 de janeiro de 2020 para cidadãos estrangeiros que pretendem exercer uma atividade subordinada ou independente em Portugal e ter um relacionamento com o sistema de Segurança Social, no âmbito de uma obrigação contributiva. Esta medida – num ano em que os serviços públicos tiveram períodos com restrições nos atendimentos presenciais (como resposta ao contexto pandémico e períodos de confinamento) e incrementaram os beneficiários de prestações sociais de uma maneira geral –, teve um impacto especialmente favorável no incremento do número de contribuintes estrangeiros no país (de 393.937 contribuintes estrangeiros em 2019, passaram a 424.249 em 2020, +7,7% entre anos, subindo ainda para 475.892 em 2021, +12,2% que no ano anterior).

 

Nota conclusiva

À semelhança de outros fenómenos sociais, há em torno da relação entre imigração e inclusão social ou proteção social alguns erros de perceção: em inquéritos de opinião realizados em vários países europeus, Portugal aparece no grupo restrito de países em que a maioria da população é da opinião de que os imigrantes não são uma sobrecarga para a segurança social.

Dados oficiais demonstram que esta perceção favorável dos contributos da imigração para a segurança social em Portugal está correta. Em Portugal, a relação entre as contribuições dos estrangeiros e as suas contrapartidas do sistema de Segurança Social português, reflete um saldo financeiro bastante positivo com os estrangeiros residentes no país (em 2021 de +968 milhões de euros). Os estrangeiros mostram também maior capacidade contributiva que os nacionais para o sistema de segurança social: os estrangeiros mantêm mais contribuintes por total de residentes que a população total em Portugal. Verifica-se, por outro lado, que os estrangeiros têm menos beneficiários de prestações sociais por total de contribuintes.

Globalmente a população estrangeira residente em Portugal tem um papel importante para contrabalançar as contas do sistema de Segurança Social, contribuindo para um relativo alívio do sistema e para a sua sustentabilidade. Atendendo à grande pressão com que se confronta o sistema de Segurança Social português face aos efeitos do envelhecimento demográfico que induzem a um saldo financeiro para o total da população com valores negativos e com tendência a agravar-se, os contributos da imigração e dos estrangeiros residentes para as contas da segurança social são particularmente importantes. A continuação dos valores positivos dos saldos financeiros do sistema de Segurança Social português com estrangeiros reforça também a conclusão de que a imigração em Portugal é essencialmente laboral e ativa, contrariando o argumento defendido em alguns países europeus de que a imigração tem iminentemente objetivos de maximizar apoios públicos e, assim, desgastar as contas públicas das sociedades de acolhimento. Nota-se, assim, que os imigrantes economicamente produtivos e, inerentemente, contributivos, serão cada vez mais necessários para conduzir à sustentabilidade do sistema de Segurança Social português.

Bibliografia

Oliveira, C. R. (2022), Indicadores de Integração de Imigrantes. Relatório Estatístico Anual 2022, Coleção Imigração em Números do Observatório das Migrações, Lisboa: ACM.

Oliveira, C. R. e Peixoto, J. (2022), “Why choose the inclusionary path? Social policy in a recent welfare and immigration country: the case of Portugal”, in Koning, E. (org.), The Exclusion of Immigrants from Welfare Programs: cross-national analysis and contemporary developments, University of Toronto Press, pp. 195-225.

Peixoto, J.; Craveiro, D.; Malheiros, J. e Oliveira, I. (2017), Migrações e sustentabilidade demográfica. Perspetivas de evolução da sociedade e economia portuguesas, Estudos da Fundação, Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos.