Há Vida para além do Plástico

Nuno Vasco Rodrigues

Biólogo Marinho e Fotógrafo subaquático

In Revista TER 36

Vivemos dias que se pautam por uma consciência ambiental sem precedentes. Organizações “verdes” proliferam, campanhas ambientais multiplicam-se e iniciativas ecológicas sucedem-se a um ritmo nunca visto. A generalidade da sociedade civil, outrora “distante” do ambiente, começa a mostrar sinais de preocupação para um assunto que há muito se impunha estar na ordem do dia, dada a urgência que implica. Os resultados históricos alcançados pelos partidos “verdes” nas últimas eleições Europeias convenceram até o mais cépticos de que há, de facto, uma mudança de paradigma. Aguardemos então que as promessas políticas que tantos votos colheram junto do eleitorado europeu sejam uma realidade num futuro próximo, ajudando a silenciar, mais uma vez, os cépticos do costume. E cá estaremos para cobrar essas mesmas promessas.

Mas esta mudança de paradigma não deve (não pode!) esgotar-se na exigência da adopção de políticas ambientais prometidas por partidos políticos e comissões em Bruxelas. Ela tem de ser feita por cada um de nós, no dia a dia, sob pena de exigirmos mais aos outros do que impomos a nós mesmos, o que é de uma tremenda hipocrisia.

Praticamente todos os dias tomamos conhecimento de nova campanha contra o plástico descartável promovida por uma marca ou cadeia de hipermercados, suscitando um impulsivo “gosto” seguido de partilha nas diversas redes sociais. Seja por genuína preocupação ambiental ou simples “moda”, a verdade é que esta recente exigência do consumidor comum tem levado à adopção de medidas concretas que vão ao encontro das necessidades da crise ambiental (ainda que escassas e sem a urgência necessária). Tal é perceptível não apenas a nível político, mas também junto da indústria, que ao aperceber-se desta tendência, promove medidas que não só colhe benefícios económicos, mas que simultaneamente vão ao encontro das necessidades da crise ambiental (ainda que escassas e sem a urgência necessária).

É inegável que o plástico descartável é um dos grandes problemas ambientais que assolam o nosso planeta – particularmente os oceanos – nos dias que correm. Afinal de contas, estamos a falar de oito milhões de toneladas de plástico “despejadas” no oceano anualmente. Este é ingerido ou provoca o emaranhamento e consequente morte de peixes, tartarugas, aves, golfinhos ou baleias ou vai-se decompondo em partículas de menor dimensão, ao longo de centenas de anos, transformando-se em microplásticos, entrando na cadeia alimentar, e subindo até ao seu topo, onde nos “sentamos” nós, os humanos.

Adicionalmente, este plástico não se encontra restrito a determinadas zonas identificadas. Ele desloca-se, viajando com os ventos e correntes, e já “colonizou” todo o oceano, desde o ponto mais profundo (a Fossa das Marianas), à zona entre-marés de ilhas remotas do Índico e Pacífico.

Facilmente se percebe, portanto, a importância crítica que esta motivação anti-plástico pode representar em termos ambientais. E quando nos deparamos com as alterações já implementadas ou anunciadas para combater este flagelo, percebemos que tal se pode tornar um caso de sucesso de movimento ambiental promovido pelos cidadãos, correcto? “Nim”, direi eu.

Não me interpretem mal. Se de facto este movimento de “culto anti-plástico” tiver as consequências que todos desejamos, ou seja, a redução e/ou substituição deste tipo de material por alternativas reutilizáveis (sempre que possível), será uma demostração de responsabilidade ecológica e ética sem precedentes. Simbolizará inclusive o início de uma nova era: a era em que começaremos a inverter uma tendência “descartável” e ecologicamente destrutiva, iniciada sobretudo com a revolução industrial, para uma era em que impera uma maior harmonia com o ambiente.

Porém, esta preocupação com o plástico, não pode “ofuscar-nos” perante outros problemas ambientais que vivemos actualmente, de magnitudes igualmente sérias.

Um exemplo clássico é a sobrepesca. Ou seja, a pesca que é feita para além dos limites sustentáveis. E este tema deve (tem!) de estar na ordem do dia e na agenda de quem nos governa, mas também de cada um de nós. Estima-se que hoje em dia 90% dos principais stocks de peixe a nível mundial estão a ser pescados no limite ou sobrepescados e estudos apontam para o desaparecimento de 90% dos peixes de grande porte dos oceanos apenas nos últimos 50 anos. Se estes números não são suficientes para pôr em causa o que estamos a fazer ao nosso oceano e despertar a tal consciência ecológica que mostrámos ser-nos intrínseca perante a crise dos plásticos, corremos o risco sério de ver desaparecer grande parte do peixe do oceano, o que terá consequências devastadoras, não só em termos ecológicos, mas também culturais e sócio-económicos.

Da mesma maneira que estamos a mudar os nossos hábitos em relação ao plástico descartável, façamo-lo em relação ao pescado que compramos. Optemos por escolher conscientemente, tendo em conta que a nossa escolha terá reflexo na indústria, à semelhança do que está a acontecer com o plástico. Façamos por nos fazer ouvir junto de quem decide, nomeadamente governantes e entidades reguladoras da pesca. Optemos por comer menos peixe ou comprar o que é proveniente de stocks sustentáveis e capturado através de métodos pouco destrutivos. Não alimentemos a indústria “farmacêutica” de produtos milagrosos que prometem a eterna juventude feitos à base de cartilagem de tubarão, denunciemos quem vende espécies ameaçadas, da mesma maneira que o fazemos com quem vende bananas embrulhadas em plástico. O conhecimento que existe hoje permite-nos perceber que o oceano é resiliente, mas só até certo ponto. Cabe-nos a nós, como parte integrante de todo o ecossistema, contribuir para a sua conservação, deixando-o às próximas gerações no mesmo estado em que o encontrámos. Ou melhor se possível. E estamos bem longe disso…