DesInspiração Criativa

Cláudia Guerreiro

Ilustradora
Baixista (Linda Martini)

In Revista TER 35

Não me sinto inspirada para escrever este texto. No entanto, fá-lo-ei porque me comprometi a fazê-lo e porque pode ser que, com a insistência, a inspiração surja.

A inspiração divina não é para todos e creio mesmo que seja para muito poucos – ou nenhuns. Talvez exista algo de mais intuitivo ou imediato nas primeiras incursões pela criação, alguma adrenalina que nos inspire por serem as primeiras criações e pelo facto de não nos podermos comparar se não com os outros e ainda não connosco próprios. Como se houvesse em nós uma caixa vazia que vamos enchendo com ideias e que, à medida que se enche, vai perdendo espaço e possibilidades. Porque queremos sempre ideias novas, diferentes e melhores que a anterior. Essa exigência, a que nos desafia e nos faz crescer criativamente, apresenta-se-nos muitas vezes como um pau de dois bicos. Se por um lado é o que nos motiva o desenvolvimento, por outro exerce uma pressão que pode ser castradora. Isto porque a exigência difere de indivíduo para indivíduo e o que é bom para um não o é necessariamente para outro. Sendo a inspiração aquilo que consideramos uma boa ideia, ter muitas ideias que não consideramos como boas pode acabar por ser destrutivo e por isso “fazer” será sempre a melhor solução. Fazer, para depois seleccionar. Será a inspiração do momento o factor mais importante? Nem só de inspiração se faz a criação, aliás olhar para a inspiração como uma epifania é meio caminho andado para a desistência. Pode acontecer como pode não acontecer. Por isso a inspiração trabalha-se, provoca-se.

Quase sempre é inspira – dor ver, ler, ouvir o que outros fizeram, como um espicaçar do que está morno cá dentro. Sempre que nos entusiasmamos com criações de outros, temos vontade de criar. Mas essa adrenalina passa rápido e se não for aproveitada em tempo útil acaba por esmorecer. Por isso, se a pesquisa for constante, a inspiração deverá ser mais frequente e, consequentemente, o trabalho.

A inspiração é incerta. Depende dos botões que te – mos e que conseguimos ligar ou desligar. As nossas verdades são diferentes e por isso também os nossos processos, mas um momento de inspiração deve ser guardado como um tesouro, porque nunca se sabe o dia de amanhã…

Uma criação desinspirada pode inspirar alguém e aquilo que é mal sucedido para um autor pode ser muito inspirador para quem está de fora. A intenção de quem faz e a sensibilidade de quem recebe não estão necessariamente sintonizadas, pelo que estas duas entidades, criador (chamemos-lhe criativo para não haver confusões com o original) e receptor, não podem influir no sentir um do outro. No entanto é pouco provável que alguém chegue a ver alguma coisa que não tenha passado no crivo do criativo.

A inspiração é íntima e depende de um sem número de situações, mas o que ela não é, é visível. Cada um sabe se a sentiu ou não e como tal é sempre arriscado dizer que tal obra é desinspirada apenas por gostarmos ou não dela, por nos inspirar ou não.

Quando se fala de inspiração não se fala apenas de criação, ou seja, não apenas da inspiração criativa, mas também da inspiração de vida. Aquela faísca que nos parece incitar a fazer alguma coisa em determinado momento. Mas essa não me aflige. Acontece a qualquer altura, por qualquer razão e é talvez o que nos move, o que nos dá alento para o dia seguinte. É o que equilibra as preocupações e impossibilidades que todos os dias nos consomem.

Essa é a inspiração que todos devíamos inspirar. Encher o peito de ar, não respira, não respira!… (e ao contrário de uma radiografia) não pode respirar!