Daniel Fernandes, o “LED” a desafiar tantos “lerdinhos”

Daniel Fernandes

Cantor

 

ENTREVISTA POR
ANTÓNIO COSTA GUIMARÃES

In Revista TER 45

Lembro-me muito bem do meu avô a cantar em casa com tudo e mais alguma coisa. E quando a voz lhe começava a falhar, ele assobiava as melodias das músicas. Posso dizer que a música sempre esteve presente na minha vida e foi daí que esta minha paixão começou a ganhar cada vez mais força.

Estais à espera de um rapaz que “fala e canta fininho”?

É verdade, mas não sabemos responder e quando não se sabe, pergunta-se ao vento onde vamos encontrar este “Mago sopro encanto /Nau da vela em cruz”. E o Vento respondeu-nos: “Foi nas ondas do mar /Do mundo inteiro /Terras da perdição /Parco império mil almas /Por pau da canela e Mazagão”.

Sim, leitores, porque ele é “Pata de negreiro /Tira e foge à morte/ Que a sorte é de quem/ A terra amou/ E no peito guardou/ Cheiro da mata eterna

Laranja, Amares sempre em flor”. Eh, ui, desculpem. Não era Amares que devia citar mas Luanda, mas ele é o melhor embaixador de Amares.

Desistam, tem uma voz grave (e grossa, como diz o nosso povo e o Vento).

Pensais estar diante de um jovem impulsivo ou desbocado?

Nada disso, porque é uma pessoa confiante, destemida, genuína, empática, solidária, contagiante, engraçada e promissora.

Aguardais um jovem peneirento porque é já uma grande voz da música lírica?

Podemos dizer mais algumas coisa: os seus ídolos não são o Pavarotti, ou o Josep Carreras nem o Andrea Bocelli. A lista começa no António Variações — “o maluco” — que só agora começa a ser amado e respeitado na sua terra “onde era gozado e maltratado”, prossegue com a Simone de Oliveira e inclui a Amália Rodrigues.

Se esperais um jovem sisudo, nunca estivemos tão enganados: para além de “cantar nas horas”,  o mais recente e melhor embaixador de Amares pôs o estúdio da RTP todo a rir!  Está quente a vossa resposta.

Cresceu a ouvir os bisavós a cantar. “Eles conheceram-se no bailarico, na aldeia, no meio dessa alegria. Depois dos meus bisavós morrerem, desapareceu essa alegria, mas agora canto para eles” — lembra. E nós perguntamos: quem é que canta para os bisavós? Só alguém, ímpar, que gosta das suas raízes. Muitos de nós nem da cara deles nos lembramos, quanto mais das suas cantigas!

Desenganem-se, é um jovem acessível capaz de falar com toda a gente, com alegria e diversão, sem esquecer a sua atividade como catequista, menos intensa que o rtimo de concertos programados para o passado mês de Agosto.

Parece um “Nem, Nem” (nem estuda nem trabalha)?

Longe disso, trabalha num restaurante em Braga e estuda numa Academia em Vila Verde mas nasceu e vive em Amares.

Admirais o seu sucesso actual a nível nacional e no Minho onde anima muitas festas e romarias?

Sim, mas este momento foi construído percorrendo um caminho com muitas pedras e obstáculos.

Estais a aguardar um menino nascido em berço de ouro, onde nada lhe faltou ao longo de mais de duas décadas?

Nada disso consta dos autos e dos registos: como eram difíceis a condições criadas pela separação dos pais, aos dois anos de idade, foi criado e educado (e que bem!) pela avó e por duas tias que são as suas mentoras.

Se esperais um jovem que estudou em escolas de requinte, desenganai-vos.

Ele estudou na Escola de Rendufe e a sua inclinação para a música foi uma sementeira faustosa dos bisavós que estavam sempre a cantar.

Se aguardais que as musas inspiradoras foram um Elton John ou uma Amália, ides sentir-vos frustrados.

Foi uma  “moça a cantar um Salmo no Grupo Coral de Lago” que fez brotar nele um desejo: “quem me dera cantar assim”! A Tia Eugénia escutou este anseio e aconselhou-o a ir para o Grupo Coral da sua terra natal. Que aconteceu? “As pessoas começaram a apreciar muito. O povo gostava de me ouvir cantar”.

“O povo”! E sabem o que é o “Povo”? Pode ser um lugarejo ou um pedaço da população que não pertencia nem ao clero, nem à nobreza.

A linguísta portuguesa Carolina de Micaelis definiu assim: “a palavra “povo” pode referir-se à população de uma cidade ou região, a uma comunidade ou a uma família; também é utilizada para designar uma povoação, geralmente pequena” (cf. https://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=povo), consultado em 09.08.2022.

Finalmente, mas em primeiro lugar, ficais sossegados ao antever que o nosso jovem é um indiferente ao que está à sua volta?

Então, desassossegai-vos: depois de ler os programas dos principais partidos, decidiu há uns anitos, militar activamente numa Juventude partidária e é presidente da Comissão Política Concelhia da Juventude Socialista de Amares.

Ele não fica a ver a banda passar… como as suas tias Helena e Eugénia o aconselhavam porque “não me incentivavam” a ter ação política. Música? Sim. Política? Vamos ver.

Este sobrinho do antigo presidente da Junta de Freguesia de Caires (José António Fernandes) começou a dinamizar debates sobre iniciação e aperfeiçoamento político dos jovens em Amares, sob a bandeira da JS, passava das palavras às acções, com a organização e recolha de cabazes de Natal e a promoção das compras nos estabelecimentos comerciais de Amares, para acelerar a economia local.

SE QUEREMOS MUDAR ALGUMA COISA…

Muitas pessoas — adverte —  “ignoram que há gente muita miséria em Amares. Se queremos mudar alguma coisa é através da ação política de proximidade que incomoda e constrói soluções. Não precisamos de ir para África para combater a pobreza. Essa é uma visão romântica do voluntariado que deve começar na porta ao lado da nossa. Certo?”

Ficamos sem resposta. E volta a história dos bisavós, contada abaixo mas a puxar para cima.

Há sempre um ´mas´ para o Daniel: “a política é simples, bonita e vale a penas. As pessoas — algumas, bastantes — é que a sujam”.

Voltemos ao gosto do Povo que, aos 12 anos, o leva a procurar aulas de canto em Vila Verde, para “desenvolver a voz”, com a mestria da professora Raquel Fernandes, na Academia de Música de Vila Verde, um trabalho continuado hoje com a professora Rita Duarte.

“Sim, foi na Academia de Música de Vila Verde que aprendi tudo, com a professora Raquel Fernandes. O controlo da voz, dos nervos, e do corpo vem todo de lá, ainda há muito trabalho a fazer, mas também sei reconhecer um longo caminho que fizemos naquela Academia, e tudo aquilo que foi aperfeiçoado ao longo dos anos, de muito trabalho e também stress por vezes” — assegura.

Chegados aqui, basta de mistérios. Estamos a falar do Daniel Fernandes, classificado em terceiro lugar num dos maiores concursos da Música na RTP, “The Voice Portugal”, com a espantosa canção dos Queen “Who wants to live for ever”. É o cume de uma ascensão iniciada quase do nada.

Aos dois anos, os pais separaram-se, deixando dois filhos (Daniel e o irmão) ao cuidado da avó e de duas tias, porque a mãe tinha de vir todos os dias trabalhar para Braga. O irmão mais novo concluiu o nono ano e trabalha numa empresa em Navarra. Nessa altura, o Daniel não quis vir para Braga e “não havia alegria para cantar”, apesar de ouvir os bisavós a trautear melodias em casa.

A “moça do Salmo” e a Tia Eugénia meteram-lhe o “vicio” de cantar no Grupo Coral de Lago e este é início do crescimento do Daniel Fernandes: um farol de superação das dificuldades para muitos jovens de hoje. Ele é um “LED” ( light-emitting diode) — Diodo Emissor de Luz — e muitos continuam a ser “Lerdinhos”.

Aos 12 anos, procurou aulas de canto na Academia de Música de Vila Verde para desenvolver a voz e o seu timbre de contra-tenor “não mudou com a chegada da puberdade”.

Hoje, confessa o Daniel, “estou grato à tia Eugénia porque todas as semanas me levou para a Academia de Vila Verde e nunca me deixou desistir e sonhar”.

Começa a estudar no ensino Superior — Filosofia na Universidade do Minho — enquanto trabalhava num café da Tia Helena, junto ao campo de futebol, desde 2016, mas “tivemos de fechar o Café em 2018”. Seguiu-se um novo trabalho no Verão, no Lago dos Cisnes, em Prozelo, Amares. Surge uma emigração para a América para “pagar a carta de condução e a compra de um carro” para poder “ir ao Porto todos os dias para visitar a Tia Helena, atingida por uma Leucemia”.

“Nunca deixei de estudar, devido ao apoio da Tia Eugénia” e chega a oportunidade de trabalho no Restaurante Migaitas, em Infias, Braga.

“O Fernando é um amigo ímpar. Agora vão ficar a saber… foi ele que me inscreveu no The Voice. Espero que ele não se zangue comigo, mas facilitou-me a vida durante todos os meses que andei no concurso, pagou-me ausências ao serviço e concedeu-me folgas para poder ensaiar para as galas”.

Como o programa “excedeu todas as expetativas, o Fernando ajudou nas viagens, fez a diferença entre a participação que me proporcionou e a ausência e hoje não estaria aqui a falar convosco”.

Ele permitiu-me “aproveitar Lisboa, ser feliz e minhoto sem preocupação quando apenas sabia cantar o tema de Os Miseráveis e My Way e umas coisitas mais”.

Tanto é assim que — recorda — “cada vez que passava à fase seguinte perguntava-me: agora estou lixado. Aí entra o meu mentor, Diogo Piçarra e o Vitorino era o meu sonho. Nessa semana, o Diogo Piçarra arrepiou-me: a Dulce Pontes (a sugestão dele) estava no Dubai”.

“Que sorte — exclama Daniel. Eu queria mostrar a todos os portugueses que canto vários tipos de música e o Vitorino ficou entusiasmado, como todos os portugueses viram” (cf. https://www.youtube.com/watch?v=NXnE-n2n36M).

Mas antes do dia 6 de fevereiro, a grande final do The Voice, o Daniel recebeu quatro testes positivo ao COVID 19 e ficou sem voz. Foi um momento dramático.

Mas não há bela sem senão, mas foi um bom “senão”:  a chegada do The Voice atrasou algumas cadeiras da Licenciatura em Filosofia.

Estudar, para quê, se tem uma voz tremenda?

O nosso interlocutor responde: “foi o convívio com os meus bisavós. Trabalharam tanto, tanto e nada tinham no fim das suas vidas porque não estudaram. Vejam só o trabalho que tiveram para criar e educar onze filhos e ainda amamentar alguns filhos de outros”.

É neles que o Daniel se inspira: “temos de trabalhar, estudar e ajudar os outros. Às quartas-feiras, a minha bisavó dava tostões aos vizinhos pobres, porque tinham uns talhos e mercearias, de onde retiravam carne para dar aos pobres num tempo em que havia fome, desgraça e essa lição de uma pessoas que não estudou mas deixou muito aos pobres é a minha maior lembrança. A minha Bisavó —merece maiúscula, não? —  faleceu em 2008 e ainda hoje é conhecida como a mãe dos pobres. É um ensinamento que guardo e levo sempre comigo, na música e na política”.

Se queremos saber quais são os seus “LED’s”, Daniel Fernandes nomeia Simone de Oliveira, Amália Rodrigues e “o maluco” do António que decide deixar Amares e vai para Lisboa, num país atrasado que não o percebeu e hoje “muita gente ganha dinheiro e muito dinheiro com o talento de um músico que apareceu à frente do seu tempo”.

De facto, “ele era um homem simples e fazia tudo de bom do pouco que tinha. Amares, finalmente, reconheceu-lhe o valor e os que o criticaram são os mesmos que agora estão a louvá-lo e afirmar que ele é um herói”.

Daniel Fernandes não tem dúvidas: “Amares é a terra do Gualdim Pais, do Chefe Silva e do António Variações”.

O seu sonho é conseguir o Mestrado em ensino para dar aulas de formação musical mas não esquece o apoio de empresas de Amares como a Tervel, de Teresa Serrão, ou a Namorarte que fabricou os primeiros sapatos para um compasso pascal em Lago com “as peles mais brilhantes que tiverem por aí” — como pediu.

Daniel não esquece o medalhão desenhado pela Syo, de Silvye Castro, e “só os sapatos não são de Amares. Estive lá a promover a minha terra e muitos sentiram-se orgulhosos de ser de Amares”.

A grande final do ‘The Voice Portugal’ aconteceu a 6 de fevereiro. Daniel Fernandes foi o primeiro finalista a subir ao palco e, uma vez mais, brilhou com uma atuação inesquecível do tema ‘Who Wants to Live Forever’.

Após a atuação, o seu mentor, Diogo Piçarra aproveitou para fazer uma confidência.

“Posso dizer uma coisa Daniel… O Daniel não teve a melhor semana da vida dele, ou as melhores duas semanas… este rapaz… Chegaste a levar a pica?“, começou por dizer o mentor. “Não, foi só comprimido“, respondeu Daniel.

“Tiveste problemas de voz não é?“, perguntou Catarina Furtado. “Fiquei sem falar, segunda-feira, terça-feira…“, desabafou o concorrente que aguardava o grande momento (cf. https://quinto-canal.com/televisao/inal-the-voice-portugal-2021-o-dueto-entre-vitorino-e-daniel-fernandes).

UM PERCURSO SINGULAR

Puxando o filme atrás, que vemos? Foi um dos concorrentes que mais deu nas vistas na quarta ronda de “Provas Cegas”. Daniel Fernandes, de 22 anos, foi surpreendido pela avó materna, Alice, de 66, e pelas duas tias-avós, Eugénia, de 72, e Helena, de 60, que, mesmo não estando presentes em estúdio, assistiram por vídeo à audição do jovem.

“Viver com elas é um espetáculo, é uma diversão, são muito ativas e autónomas (a avó Alice trata da casa, a tia Helena cozinha e a tia Eugénia ocupa-se do trabalho do campo”. Foi criado pelos bisavós desde pequeno, foi com eles que aprendeu a amar e a viver com alegria.

Quando os bisavós morreram viveu os piores dias da sua vida. Os bisavós são os responsáveis por ele gostar de música.

Duas das mulheres mais importantes da sua vida passaram momentos bastante complicados: Helena enfrentou uma leucemia e Eugénia ainda sofre com Parkinson. O rapaz recorda: “somos quatro lá em casa, três velhotas. Quando ficaram doentes tivemos de fechar o café que tínhamos junto ao Campo de futebol. Devido à medicação havia, e ainda há, muitas despesas. Eu nunca quis ser mais um encargo lá em casa. Fui trabalhar”, “a apanhar estrume” e a frequentar o 3.º ano da licenciatura em Filosofia, tem aulas de canto e num part-time no restaurante Migaitas, em Braga: “Trabalho para ajudar nas despesas em casa, para pagar a faculdade e as aulas de canto”. Daniel “canta em todo o lado. É o que me faz feliz”, assegura. Em “The Voice Portugal”, Daniel Fernandes conquistou toda a equipa pela sua boa disposição, uma “marca de água” sua.

Orgulha-se de ter “três velhotas em casa cujo amor não consigo descrever, são elas os pilares fundamentais da minha vida, e é nelas que revejo os meus bisavós que me criaram sempre com Amor. Conquistei na vida o Amor de uma família feliz.”

Face ao seu sucesso, confessa que “ama a política, mas não tanto quanto de música, sonha daqui a quatro anos candidatar-se a presidente da Junta de Lago, freguesia de Amares, mas o que “quero mesmo é ser feliz e poder continuar a cantar”.

Na primeira audição, com  “Oh del mio Dolce Ardor” conquistou os mentores e conseguiu virar as cadeiras de Aurea, António Zambujo e Diogo Piçarra. Acabou por escolher juntar-se à equipa de Piçarra,  não só pela sua voz, como também pela boa disposição e sentido de humor.

 “Mas como é que isso acontece?” — quis saber a mentora Áurea.”Olha, a pessoa morre. Eu vou lá e canto sempre à capela… para não levar ninguém comigo”, respondeu Daniel, causando muitas gargalhadas.

Daniel Fernandes mostrou-se um dos artistas mais carismáticos daquele palco, quando dançou o “Creu” com as mentoras levando Marisa Liz a afirmar: “parece um anjo”.

Todavia, as palavras mais sentidas vão para o seu mentor: “Obrigado Diogo Piçarra mentor, professor e amigo! Foste das melhores coisas que me aconteceu, a tua ajuda, a tua confiança e perseverança que sempre me deram a força para ser quem sou.

Vitorino foi a maior honra da minha vida cantar consigo, o maior nome da música Portuguesa, a Humildade, a Alegria, a Confiança, a Leveza com que me recebeu, com que me acompanhou naquelas letras mágicas da Queda do Império foi apenas perfeita!”

A outra face do Daniel

O Daniel fez unir em torno de si o que há de melhor em Amares, a prova que todos juntos e unidos, podemos chegar longe!

Obrigado pela tua humildade, carinho, caráter, civismo e acima de tudo, a tua boa disposição como podem comprovar  nestes vídeos https://www.facebook.com/thevoiceportugal/videos/472589510790104).

Militante da Juventude Socialista de Amares há 7 anos, desde Setembro de 2015. Mas ele é mais do que “a Voz” do Minho e de Amares.

Presidente da Comissão Política Concelhia de Amares da JS, desde Outubro desde  2020

Membro da Comissão Nacional da JS desde Novembro de 2020

Representante da CPC do PS de Amares desde Setembro de 2020

Presidente de Mesa de AC desde Outubro de 2017 e reeleito em 2019.

Membro da RGA da Associação Académica da Universidade do Minho desde Outubro de 2020

Coro Académico da Universidade do Minho desde Setembro de 2019.

Costuma cantar num grupo coral na igreja, é salmista, também canta em funerais e em casamentos. Orgulha-se de estudar, conseguir pagar os estudos, pagar a carta de condução e o carro.

Nas suas canções preferidas enumera “Amor a Portugal” e  “I dreamed a Dream”, mas são a Simone de Oliveira e Amália Rodrigues as cantoras com quem mais se identifica.