Celebrar o Natal Português na Literatura

Álvaro Nunes

Crítico Literário

In Revista TER 40

O Natal é um tema transversal da literatura universal, quer na prosa quer na poesia.

De facto, dos mais novos aos mais velhos, não faltam opções de leitura natalícia: talvez as “Cartas ao Pai Natal” de J.R. Tolkien, “O Milagre da Rua 34” de Valentine Davies, ou quem sabe, “O Expresso Polar” de Chris Van Allsburg; ou quiçá o título “Como Grinch roubou o Natal” do Dr. Seuss, pseudónimo de Theodor S. Geisel

Efetivamente, são tantas as propostas que a escolha é sempre difícil! Seleção que, pode até passar por um bom policial, como por exemplo “O Natal de Poirot” de Agatha Christie; ou pelo clássico de Charles Dickens, “Christmas Carol” (“Um Conto de Natal”), cuja obra comemorou no ano transato 175 natais bem passados, e, portanto, já tem barbas!

Uma obra que, porém, apesar da sua provecta idade. incentivaria o jovem autor vimaranense Paulo César Gonçalves a escrever “Um (outro) conto de Natal”, inspirado na história verídica do senhor Nicolau Bifanas, das bandas de Esmoriz.

Ora, efetivamente, as nossas escolhas centram-se sobretudo em livros de literatura de língua portuguesa, ou seja, no Natal Português. E, também aqui, a escolha é múltipla!

Que tal Sophia de Mello Breyner Andresen, que em 2019 completa ria 100 anos do seu nascimento e nos deixou os belos contos como “Os três reis do Oriente”, ou a sua belíssima “ Noite de Natal”?! Quiçá folhear a antologia “As mais belas histórias portuguesas de Natal”, estórias coligidas por Vasco da Graça Moura, entre os quais se inclui “O Natal dos Pobres” de Raul Brandão, “O Suave Milagre” de Eça de Queirós, ou “A Missa do Galo” de Aquilino Ribeiro?!

Todavia, poucos são os escritores portugueses que escaparam ao apelo natalício. Por isso, as leituras podem também estender-se a Fialho de Almeida e a José Régio, ambos com os títulos “Conto de Natal”, ou Manuel da Fonseca (“Noite de Natal”), bem como a Jorge de Sena, que este ano também comemoraria 100 anos de nascimento e que nos legaria o conto “Razão de o Pai Natal ter barbas brancas” e ainda este poema:

 

“Natal de quê? De quem?
Daqueles que o não têm,
ou dos que olhando ao longe
sonham de humana vida
um mundo que não há?
Ou dos que se torturam
e torturados são
na crença de que os homens
devem estender a mão.”


Realmente, são diferentes as perspetivas do Natal na nossa literatura. Com efeito, desde a visão amargurada sobre a degradação da condição humana, como escreve Raul Brandão, à abordagem do Natal como festividade religiosa e evocação do tempo e vivências do passado, ou reconciliação entre os homens, quer na sua dimensão universal quer regional (leia-se o Natal Minhoto de Ramalho Ortigão e/ou “O Natal de Ossela” de Ferreira de Castro”), o tema natalício é praticamente vivenciado por todos os nossos escritores inclusive Alexandre O’Neill com os seus “Exercícios de auto-apoucamento”, ou José Saramago com a sua “História de um muro branco e de uma neve preta”. Tema que igualmente se alonga até a outras paragens e literaturas de expressão portuguesa, como ao angolano José Eduardo Agualusa, que nos narra “A Noite em que prenderam o Pai Natal”.

 Mas, podemos também voltar-nos para o Douro e os seus escritores mais emblemáticos como João de Araújo Correia, que além da sua “Noite de Natal”, dá-nos também a beijar, no seu belo “Conto de Natal”, um “Menino Jesus de carne o osso”.

Outrossim, Domingos Monteiro que nos legaria seis contos natalícios como prenda no sapatinho, entre os quais destacaria “O Regresso”, ou “Um Recado para o céu”, bem como “O Menino Jesus que eu conheci …”.

E, obviamente Miguel Torga, com o seu inolvidável conto “Natal”, e a encantadora personagem Garrinchas, ou “Fronteira” com o par Robalo e Isabel como protagonistas,  ambos inseridos na obra “Novos Contos da Montanha”. Um escritor que também nos legaria inúmeros poemas natalícios enquanto espaço de reflexão fraterna e cívica, por vezes marcada de emoção e transcendência, como transparece neste “Natal” de questionamento da divindade:

 

“Leio o teu nome
Nas páginas da noite:
Menino Jesus …
E fico a meditar
No milagre dobrado
De ser Deus e menino.
Em Deus não acredito.
Mas de ti como posso duvidar?
Todos os dias nascem
Meninos pobres em currais de gado
Crianças que são ânsias alargadas
De horizontes pequenos,
Humanas alvoradas…
A divindade é o menos.”

 

Contudo, a magia do Natal está também presente em muitos outros textos dos nossos prosadores. Recordo, por exemplo, “O Viajante Clandestino” e “Natal Branco” de José Rodrigues Miguéis, ambos inseridos na obra “Gente de Terceira Classe” , “A amarga e esforçada crónica do Natal de 1973” de António Alçada Batista e/ou “A Tua Véspera de Natal” de David Mourão Ferreira, que  no seu poema “Ladainha dos póstumos Natais” alerta que “Há de vir um Natal e será o primeiro/em que se veja à mesa o meu lugar vazio”. Porém, um natal redimido”, como dilucida na sua “Litania para este Natal”:

 

“ Nunca o Natal me aturdira
com tão grande maravilha
Ó perspetiva de vida
que `vida sobreviva
Um neto ou neta respira
no ventre de minha filha.”

 

No entanto, muitos outros textos seriam possíveis aqui e agora aludir, que quase me atrevo a dizer que o Natal a todos fez correr a pena! Com efeito, quer Fernando Namora (“Reputação”) quer Manuel da Fonseca (“Noite de Natal”), passando por Tomaz de Figueiredo (“Gente de Paz” e “O Conto de Natal”), até Alves Redol (“ A Festa de Natal”),como também Altino Tojal com a sua “Festa de Natal, ou Urbano Tavares Rodrigues com a sua “Samarra”, poucos não lhe vestiram a pele.

 Manuel António Pina é um desses nomes Incontornáveis, em especial “O Cavalo de Pau do Menino Jesus e outras histórias”, que inclui dois outros deliciosos contos natalícios do autor: “O Sorriso”, ainda com o Menino Jesus na barriga de sua mãe; e “Mais depressa, Reis Magos, mais depressa”. Pressa que, contudo, não impediu os Reis Magos de chegarem atrasados à adoração, o que lhes mereceria um ralhete da Virgem Maria:

 

“ Nossa Senhora fitou-os com severidade: já estamos a 6 de janeiro, viestes atrasados.”

 

De facto, poucos escritores passaram ao lado do tema do Natal. Tão-pouco Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada, que na sua coleção “Uma Aventura …”, aventuram os seus protagonistas de sempre a viver uma “Aventura nas férias de Natal”, na casa da tia Judite, em Trás-os-Montes.

Caros leitores, não faltam propostas e sugestões, para todos os gostos e idades, neste Natal português, para oferecer ler e refletir. Ademais, tal como na prosa, há também imensa poesia de extrema beleza e pertinentes interrogações, desde Ary dos Santos “Quando um homem quiser”, a Nemésio (“Natal Chique”),ou a António Gedeão (“Dia de Natal”), entre muitos outros, como este “Natal” de José Régio:

 

“Mais uma vez, cá vimos
Festejar o teu novo nascimento
Nós, que, parece nos desiludimos
Do teu advento!
(…)
Mas, se um ano tu deixas de nascer
Se da voz se nos cala a tua voz.
Se enfim por nós desistes de morrer,
Jesus recém-nascido!, o que será de nós?