Ativismo

Ana Paula Cruz / Lokas

Medica Humanitária, Ativista

In Revista TER 39

Reconheço o ativismo como arma poderosa que devolve à sociedade civil o poder que ela se esqueceu que tem. Na verdade, o ativismo não é mais do que uma fonte de resistência e desobediência a políticas e a estados de injustiça social que nos são impostos a cada um de nós. São também um grito coletivo que lembra aos decisores políticos que as suas políticas não nos representam e que nos recusamos a consentir, compactuar ou existir em silêncio.

São tão diversos quanto os fatores de opressão que existam numa sociedade: movimento feminista, movimento pelos direitos das pessoas LGBTQI+, movimento anti-racista e anti-fascista, movimento pelos direitos dos migrantes e refugiados, movimento pela justiça climática e tantos outros. Há na sua diversidade milhares de pontes que ligam cada um destes movimentos e os fazem existir como um todo, numa voz diversa, mas comum que exige uma revolução.

A tomada de consciência seguida da indignação e revolta são passos que precedem estas lutas e que as tornam uma contra-ação urgente.

Uma coisa que dificilmente percebemos é que cada um destes movimentos está validado em si próprio e não depende de uma aprovação externa nem depende da opinião de outros sobre a sua pertinência. São válidos porque existem mesmo que sejam uma luta contra uma opressão que desconhecemos e que nunca sentimos. Tendemos erradamente a questionar movimentos que não nos beneficiam diretamente a nós próprios e a ser aliados apenas de movimentos duma injustiça que nos afeta, e não compreendemos que isso não chega porque se só buscamos o que nos beneficia não é justiça social que buscamos, é benefício próprio, que é válido claro, mas claramente insuficiente.

A verdade é que o movimento feminista não é um movimento só de mulheres, nem o movimento anti-racista só de pessoas negras ou o movimento LGBTQI+ só de pessoas homossexuais ou transsexuais. A opressão e segregação são vividas por essas pessoas, mas a injustiça social e as políticas opressivas dizem-nos respeito a todos enquanto sociedade, por isso cabe-nos a nós, sociedade e não apenas aos grupos minoritários ou oprimidos, a luta pelo fim dessa opressão.  

Do mesmo que, por exemplo, não podemos ser ativistas pela defesa dos direitos dos migrantes e refugiados se não formos feministas, anti-racistas e anti-fascistas, simplesmente não é possível. A luta pela libertação de populações ou grupos específicos oprimidos é precedida pelo fim da opressão a que estão sujeitos e todas as opressões estão relacionados pela mesma base de uso de poder sobre o outro, inferiorizando-o, subjugando-o e discriminando-o.  É contra isso que temos de lutar.

Enquanto movimentos que contraria um movimento vigente, têm em si diversas forças externas que os tentam silenciar e anular. Quer sejam as forças políticas a que resistem e desobedecem, quer sejam as forças contrárias de faixas da sociedade civil que questionam esse movimento.

Em termos políticos, é urgente devolver o poder à sociedade civil. Não chega esperar pelas próximas eleições para votar em alguém que defenda os direitos humanos não apoiando políticas segregadoras e opressivas, isso é o mínimo. Porque na verdade não precisamos só de políticos que o façam, precisamos de uma sociedade inteira que o faça, que seja vocal e que ao mesmo tempo resista e desobedeça se isso não acontecer. Habituamo-nos a depositar o nosso destino enquanto sociedade nas mãos dos nossos decisores políticos, acendendo uma velinha na fé de que eles nos vão representar minimamente bem, mas ignoramos que se não nos representam, como não têm representado, não temos só de esperar por um próximo que venha e que represente, temos de lembrar a quem está no poder que eles não se representam a si próprios, por isso eles não têm que ser melhores porque querem mas porque nós queremos e porque nós somos melhores e é a nós que têm de representar. 

 Em termos sociais, precisamos de parar de nos acomodar no nosso próprio privilégio e de reconhecer que não existimos só enquanto indivíduo mas enquanto sociedade e se há coisas que não nos afetam individualmente mas nos afetam enquanto sociedade precisamos de parar de acreditar que isso não nos diz respeito só porque somos privilegiados o suficiente para não ser afetados. Ao mesmo tempo, precisamos de parar de projetar a nossa inação e comodismo no outro, precisamos de parar de questionar movimentos com base no nosso medo de perda desse conforto, precisamos de perceber que se um movimento nos incomoda mais do que a opressão a que resiste há algo de errado em nós. Precisamos de parar de domesticar uma revolução que desconhecemos, precisamos de parar de acreditar que existe divisão entre ativismo pacífico ou violento. Não existe, nem cabe a pessoas externas ao movimento condenar nem questionar a medida de força usada para a libertação de uma opressão que nunca sentimos. A cada movimento é legitimada a força necessária e os meios necessários pelo fim da violência a que estão expostos e se não sabemos distinguir revolução de violência então não saberemos distinguir o oprimido do opressor e isso, sim, é violento.

Por fim, relembrar que os movimentos de ativismo não existem na busca de paz ou estabilidade social mas sim de justiça social e igualdade de direitos e, portanto, terão de ser certamente desconfortáveis e se necessário pouco pacíficos. Independentemente de como nos organizamos e como nos manifestamos, não esqueçamos que é urgente seguir resistindo, seguir desobedecendo.