Ativismo feminista: desafios da UMAR Braga

Alícia Wiedemann,
Lia Mendes,
Liliana Rodrigues,
Mafalda Henriques,
Sara Lemos e
Tatiana Mendes

UMAR Braga

In Revista TER 39

A UMAR, conhecida hoje em dia como União de Mulheres Alternativa e Resposta e constituída formalmente como associação a 12 de setembro de 1976, foi, desde a sua fundação até 1989, denominada como União de Mulheres Antifascistas e Revolucionárias. Assim, com o 25 de abril de 1974, num Portugal recém-saído de um contexto ditatorial, o Estado Novo, a UMAR surge da necessidade sentida por mulheres de lutar pelos seus direitos no novo contexto político-social que emergia na época.

Desde então, e ao longo destes 44 anos, a UMAR reúne diferentes gerações de mulheres, promovendo trocas de ideias e experiências capazes de estabelecer vínculos entre diferentes contextos fundamentais, tanto para a preservação da memória histórica, como para o avanço dos feminismos nas diversas realidades atuais. Desta forma, a intervenção da UMAR é baseada numa Agenda Feminista de “velhas” e “novas” causas, que acompanham as realidades e necessidades vividas pelas mulheres em diferentes momentos e circunstâncias, tais como, a luta pelo direito ao seu corpo, por direitos sexuais e reprodutivos, o combate à violência doméstica, de género e quaisquer outras discriminações, a busca por maior representatividade de mulheres nos órgãos de decisão política e em cargos de poder, a garantia da conciliação pessoal, profissional e familiar, o cumprimento da igualdade salarial e reconhecimento/valorização do trabalho doméstico e dos cuidados, a defesa dos direitos das trabalhadoras do sexo e das pessoas LGBTQIA+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgénero, Queer, Intersexuais, Assexuais e outras pessoas).

Deste modo, e para um trabalho mais amplo e em rede, a UMAR forma grupos de trabalho, grupos locais de intervenção ou outros que se constituem em função dos seus interesses e necessidades. Atualmente, para além dos grupos de trabalho existentes focados nas questões relacionadas com a igualdade e violência de género, cultura, memória, formação e educação, desenvolvem-se projetos nestas áreas por todo o país, em particular, na área da violência, já que a UMAR dispõe, a nível nacional, de estruturas de apoio para mulheres vítimas de violência: os centros de atendimento, as casas de acolhimento e os apartamentos de autonomia. Apesar de a sede nacional ser em Lisboa, no Centro de Intervenção e Cultura Feminista (CCIF), hoje em dia, a UMAR conta também com vários núcleos territoriais e com a delegação regional nos Açores. Uns mais antigos do que outros, os núcleos da Madeira, Faro, Coimbra, Viseu, Porto e Braga procuram atuar ao nível local, organizando a sua própria ação no alcance dos objetivos da associação. Neste sentido, a intervenção da UMAR assenta na ação direta junto da comunidade, na produção de conhecimento e no trabalho junto das instituições para a mudança social.

O núcleo da UMAR Braga, do qual fazemos parte, foi constituído em 2008 por um grupo de estudantes universitárias impulsionadas a construir espaços de discussão aberta e crítica feminista na cidade e na região minhota. Desde então, entre ações de rua, tertúlias, ciclos de cinema, parcerias, destacam-se iniciativas como o lançamento da campanha “Feministiza-te”, a realização da primeira e segunda edição do Festival Nacional de Arte Feminista – “FeministizARTE”, a criação do Observatório das Representações de Género nos Media, a implementação do projeto PubliDiversidade, sobre a representação de homens e de mulheres nos media, e do projeto CAPACITARTE para a intervenção e capacitação em Igualdade de Género. Mais recentemente, o VIVA e o ART’THEMIS+ são dois projetos que estão a ser desenvolvidos no distrito de Braga. O VIVA, a decorrer também no Porto, foca-se sobretudo no tema da Violência Sexual, assente numa estratégia de capacitação interna e externa. O ART’THEMIS+ destaca-se pelo seu caráter de intervenção, uma vez que se trata de um projeto de prevenção primária da violência de género implementado nos distritos de Braga, Coimbra, Porto e Madeira, tendo como principal objetivo alertar e consciencializar os/as jovens para as causas e consequências das violências, promovendo a igualdade e os direitos humanos.

Quando falamos de ativismo feminista, torna-se relevante tecer algumas considerações sobre a temática. Desde logo, é importante referir que, ao contrário do que muitas vezes se configura no imaginário coletivo, o feminismo não é o oposto do machismo. O feminismo é um movimento social, filosófico e político, que surge historicamente para combater o machismo/sexismo, enquanto cultura que promove crenças, atitudes e comportamentos de subjugação (e, como tal, de redução de direitos e perpetração de violências) das mulheres e de outras pessoas que rompem com as imposições sociais e de género do que é ser homem ou mulher (no limite, do que é ser pessoa!). Todavia, ao longo da sua história, a par de outros movimentos sociais que emergiram, a diversidade de contextos sociais e políticos existentes implicaram a alteração de agendas e a solidariedade, inclusive internacional, com outras lutas (ler mais sobre as suas diferentes vagas do movimento feminista). Daí que o movimento não deva ser abordado no singular, e sim no plural – “os feminismos”, uma vez que uma das suas principais características é a pluralidade.

De facto, nem todas as mulheres ocupam os mesmos espaços e contextos sociais, sofrem as mesmas opressões, pensam igualmente ou defendem as mesmas ideias. Neste sentido, a teoria da interseccionalidade é fundamental para compreender as opressões que diferentes pessoas enfrentam por pertencer a determinada categoria/marcador social (e.g., género, orientação sexual, “raça”, classe, idade, condição funcional, etc.). O conceito de interseccionalidade foi cunhado pela afro-estadunidense Kimberlé Crenshaw (1994), que quis chamar a atenção para a inseparabilidade estrutural entre sexismo, racismo, classismo, ou seja, para a existência de um sistema de opressão interligado e de que, sobretudo, mulheres negras são alvo (Carla Akotirene, 2019). Concluímos, então, que desigualdades, inclusive a de género, não atingem mulheres em intensidades e frequências iguais (Carla Akotirene, 2019). Assim, defendemos o uso do termo “feminismos”, que ilustra justamente esta ideia de pluralidade, na teoria e na militância, e assenta num compromisso social, que visa despertar a consciência das mais variadas instituições e, de um modo mais abrangente, da sociedade em que vivemos (Carla Cerqueira, 2011).

Ao termos em conta o contexto atual em que vivemos, ou seja, toda a conjuntura política e social vivenciada ao nível global – tanto pela emergência de movimentos e governos de extrema-direita como pela agudização das desigualdades e violências já existentes, como consequência da pandemia provocada pelo coronavírus SARS-COV2, por exemplo – enfatizamos a importância da defesa de direitos conquistados ao longo dos anos pelas mulheres e da continuidade da luta feminista. Pensando no período de pandemia, em que observamos não só uma crise social forte, mas também económica, é fulcral ter presente a importância das mulheres na sociedade e continuar a reclamar pela igualdade e garantia das suas prerrogativas: seja pelo facto de serem elas quem mais sofreu com a crise, pois pertencem a classes e a setores fortemente atingidos (tais como, enfermeiras, mães em teletrabalho, educadoras, trabalhadoras domésticas, trabalhadoras precárias, trabalhadoras do sexo, trabalhadoras do setor social) ou porque estiveram sobrecarregadas na garantia do trabalho doméstico e dos cuidados (histórica, social e culturalmente atribuídos), mas também pelo papel determinante que algumas mulheres, em lugares de poder, tiveram na gestão desta crise.

Paralelamente, os episódios racistas ocorridos mais recentemente, ao nível nacional e internacional, revelam que a luta feminista, para além de anticapitalista, também deve ser antirracista. Além disto, tendo em mente os movimentos migratórios atuais, os feminismos devem abraçar o combate à xenofobia e a luta pelos mesmos direitos de mulheres de diferentes culturas, para vencer os diversos obstáculos com que deparam, sobretudo, a nível religioso, cultural e racial. A título exemplificativo, às mulheres de culturas islâmicas colocam-se grandes desafios de integração na sociedade ocidental. Por isso, é importante estar presente para apoiar a integração de todas as mulheres, ouvindo-as e respeitando a sua cultura e os seus costumes. Na verdade, enquanto movimento que reivindica a justiça social e a cidadania plena, o ativismo feminista tem de atender à diversidade de mulheres e, portanto, considerar a classe a que pertencem, a nacionalidade, a religião, a diversidade funcional, entre outros marcadores sociais que colocam as pessoas em situação concreta de opressão e privilégio.

Neste sentido, importa referir aqui também o feminismo trans, corrente que emerge de modo a combater a discriminação e invisibilidade das pessoas transgénero (pessoas cuja identidade de género não corresponde ao sexo atribuído à nascença) nos movimentos feminista e LGBT que, ao reconhecer as experiências e identidades trans, põe em perspetiva o sujeito político e em causa o carácter, muitas vezes, biologizante dos feminismos (Liliana Rodrigues, Nuno Carneiro e Conceição Nogueira, 2018).

Nós, enquanto mulheres cisgénero (mulheres cuja identidade de género corresponde ao sexo atribuído à nascença) ou trans, vivenciamos violências mais ou menos visíveis que permeiam diversas esferas das nossas vidas. Por isso, acreditamos que o ativismo feminista pode e deve ser praticado todos os dias: em casa, no trabalho, na rua. Ser feminista é pensar que, na sociedade, as pessoas, independentemente do seu sexo/género ou de qualquer outra identidade social, têm o direito às mesmas oportunidades e à liberdade, sem serem discriminadas por isso. Queremos liberdade sexual; liberdade para os nossos corpos sem termos de nos preocupar com discriminação, assédio ou violação; liberdade de escolhermos a maternidade sem arriscarmos perder o emprego ou não ingressar ou progredir na carreira; liberdade de escolhermos não sermos mães sem sofrermos pressões ou críticas por isso; liberdade de estudarmos e de podermos tirar um curso superior em qualquer área de conhecimento; liberdade para efetivamente vivermos como quisermos e em relações livres de violência.

 

VIVAS, LIVRES E UNIDAS!

Referências bibliográficas:

Akotirene, Carla. (2019). Interseccionalidade. São Paulo: Pólen

Cerqueira, Carla. (2011). Quem tem medo dos feminismos?Ex aequo, (23), 181-182. Disponível em:http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0874-55602011000100014&lng=pt&tlng=pt.

Rodrigues, L., Carneiro, N. e Nogueira, C. (2018). PROBLEMATIZAÇÃO DO FEMINISMO INTERSECCIONAL: O LUGAR DAS PESSOAS TRANS(GÉNERO) NO BRASIL E EM PORTUGAL. Disponível em:https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/119122/2/316803.pdf.

UMAR Feminismos. (n.d.). Disponível em: http://www.umarfeminismos.org/.