Aprender: começa aos zero e não acaba

João Costa

Secretário de Estado da Educação

In Revista TER 31

Dizia-me alguém, há pouco tempo, que a aprendizagem é um processo natural e não uma consequência da escolarização. É verdade. Aprendemos espontaneamente e devemos aproveitar essa predisposição natural para a aprendizagem, valorizando-a, alimentando-a e garantindo o seu fortalecimento ao longo da vida. A espontaneidade da aprendizagem não significa que não careça de intervenção. Pelo contrário, esta naturalidade é potenciada quando associada a intencionalidade educativa, ou seja, quanto mais soubermos sobre como se aprende, mais podemos aproveitar a disponibilidade do ser humano para aprender para que tal aconteça com qualidade.

É hoje consensual que o processo educativo deve começar o mais cedo possível. Sabemos que um dos principais preditores de aprendizagens com qualidade nos anos iniciais do primeiro ciclo é uma educação pré-escolar também ela qualitativamente boa. Mais, sabe-se hoje que a educação na primeira infância não se confunde com prestação de cuidados, mas deve centrar-se na garantia de ambientes cognitivamente estimulantes, no proporcionar de ambientes sensorialmente diversificados, no contacto precoce com atividades promotoras de um desenvolvimento mais rico. Por estes motivos, apostamos hoje em garantir educação pré-escolar para todos e, simultaneamente, publicaram-se as Orientações Curriculares para a Educação Pré-escolar, estando agora em preparação um conjunto de orientações pedagógicas para o período dos 0 aos 3 anos. Ao contrário do que alguns sugerem, isto não significa “escolarizar” a infância, mas sim contribuir para uma intencionalidade educativa mais significativa e preparatória das aprendizagens futuras. Importa, aliás, entender que o trabalho tradicionalmente feito na educação pré-escolar é exemplar e dá, há anos, uma resposta muito clara a desafios que se colocam a outras etapas do ensino – questões relacionadas com metodologias ativas, motivação, trabalho cooperativo, trabalho de projeto não são um problema na educação pré-escolar.

As profundas mudanças que atravessamos hoje, fruto da revolução tecnológica, do avanço muito rápido do conhecimento científico, com consequências ainda não completamente estimadas sobre a forma como nos organizamos, como conhecemos, como gerimos conhecimento, desafiam os sistemas educativos. Se nunca foi admissível pensar que é possível parar de estudar quando se atinge um determinado nível de qualificação, seja ele qual for, hoje a inadmissibilidade torna-se certeza. Parar de estudar, desistir de aprender, condena um cidadão ao fracasso.

Esta mudança a que assistimos não é fácil de gerir. Torna-se claro que, quando pensamos no que é um aluno com sucesso à saída da escolaridade, estamos perante um cidadão com capacidade e disponibilidade para aprender ao longo da vida. A questão verdadeiramente difícil é saber qual o conjunto de aprendizagens essenciais a adquirir, quais as competências que todos têm de desenvolver para que tal aconteça. O trabalho conducente à construção do Perfil do Aluno à saída da escolaridade obrigatória, associado à identificação de aprendizagens essenciais, visa exatamente dar resposta a estas perguntas.

Temos, portanto, uma aposta numa cidadania de sucesso quando há disponibilidade para aprender ao longo da vida. Isso implica uma aposta na educação e formação de adultos. O programa Qualifica é hoje uma resposta estruturada aos défices de qualificação da população adulta portuguesa. Temos hoje uma percentagem muito elevada de adultos que, pelas mais variadas razões, não concluíram em tempo oportuno o ensino básico ou o ensino secundário. Hoje, convidamos esses adultos a investirem em si e a procurarem formação relevante e que lhes dê motivação e competências para se tornarem mais competitivos, mas sobretudo para se tornarem cidadãos mais capazes de agir sobre si próprios e sobre o mundo. Seja em programas de aprendizagem ao longo da vida, seja no Ensino Superior, seja no regresso à escola, não é possível conceber que não haja estímulos ao investimento pessoal na aprendizagem.

Aprender sempre é um desafio para todos. Não basta o Governo criar um programa para a qualificação, é preciso que toda a sociedade valorize o papel da educação. É fundamental que não se olhe para alguns percursos como secundários. É imperativo que todos digamos que aprender é fundamental. É preciso que estejamos todos convictos de que a educação não é um prémio de uma elite, mas sim um direito essencial ao qual todos podem e devem aceder.

Comecei por dizer que a aprendizagem é um processo natural. Também espero que um dia se torne natural que a aprendizagem ao longo da vida não é questionável e que nunca mais tenhamos de vir reparar as consequências do desinvestimento na formação de adultos. Há hoje consenso total sobre a educação para todos na infância e na juventude. É preciso construir o mesmo consenso sobre a educação permanente. Os dados não mentem, a realidade não é outra. Falta acordar alguns.