Agora e sempre, a permanência do passado-presente e a vertigem do efémero-futuro

João Couvaneiro

Vogal do Conselho Diretivo da ANQEP

In Revista TER 30

O mundo atravessa importantes transformações decorrentes da globalização económica, política e cultural, que introduzem profundas mudanças nas dinâmicas de organização das sociedades.

A humanidade como um todo, ou organizada em diferentes composições sociais, tem vivido mutações evidentes. Também a nível individual, aquilo que cada um de nós é, ou aspira ser, se transforma continuamente. Transformam-se: as leituras que fazemos do mundo; as dinâmicas em que nos inserimos; a estrutura das famílias a que pertencemos; os lugares que habitamos; as ocupações que temos; os desejos ou os sonhos que alimentamos…

Todos os dias surgem novas invenções, novos instrumentos tecnológicos, novas formas de criar, de produzir, de comunicar, de viver. Todos os dias surgem inovações, que desafiam a capacidade de adaptação das pessoas e das sociedades.

Em todo o mundo, a um ritmo veloz, as universidades, as academias, as empresas e os centros de investigação produzem estudos, realizam descobertas, publicam novas ideias, que ampliam o conhecimento que temos, as tecnologias de que dispomos e as técnicas que utilizamos.

Durante milhares de anos os processos de evolução foram razoavelmente lentos. Salvo muito poucas exceções, a transformação das coisas foi de tal forma espaçada que tudo parecia marcado por uma razoável previsibilidade. Os instrumentos utilizados, os processos de produção e as ocupações, passavam de geração em geração, permanecendo inalterados.

Só com a modernidade este ritmo indolente se alterou. Com o aproximar da contemporaneidade passou a assistir-se a uma aceleração contínua da história e dos processos de transformação, que parecem ser agora marcados por um aumento contínuo de velocidade, que vai desconstruindo a nossa noção do tempo e dos acontecimentos.

O mundo passou a ser marcado por uma enorme imprevisibilidade. As vidas de muitos de nós são agora uma constante metamorfose.

Por mais atualizados que tentemos estar, a vertigem do efémero- -futuro dá-nos frequentemente a ideia de estarmos a ser ultrapassados, por uma crescente e permanente avalanche de coisas novas. As modas, as preferências e todas as tendências são caracterizadas por uma grande fugacidade. 

A vontade ou a necessidade de mudança torna-se perene e tudo tem em si uma intrínseca impermanência.

Existe a percepção de que, apesar de se terem verificado profundas mudanças em tudo o que nos rodeia, na escola em pouco ou nada se alterou.

Como manifestações duradouras que se projetam e perpetuam, em muitas escolas permanecem: os conteúdos que são transmitidos, a organização disciplinar, os processos de sistematização do conhecimento e as competências desenvolvidas; os métodos de ensino e os resultados das aprendizagens; os mecanismos de transição, os rituais e as funções da avaliação; a organização espacial e as dinâmicas que nela ocorrem; as relações pessoais e hierárquicas; os papéis dos professores e dos alunos; a inclusão nas comunidades e o desenvolvimento da cidadania…

Não obstante esta resiliência e até este aparente imobilismo, um sussurro quase inaudível parece dizer-nos: “E no entanto ela move- -se”.

Move-se, porque a escola não é uma estrutura isolada e imune às transformações que ocorrem fora dela. Move-se porque, apesar de parecer em repouso, se exercem sobre ela forças que, ainda que parcialmente absorvidas pelos efeitos da inércia, a impulsionam para um lento, mas perpétuo, movimento.

Os mecanismos informais de acesso ao conhecimento e ao desenvolvimento de competências, que rivalizam com a escola e que com ela disputam a centralidade, também se apresentam como motores que, fora de bordo, impulsionam o sistema educativo.

Tem sido confiada às escolas a responsabilidade de nos preparar para as transformações dos contextos, dos instrumentos e dos processos. Mas tem sido também responsabilidade desses estabelecimentos a transmissão de todo um património acumulado ao longo de gerações, que está na base das nossas matrizes civilizacionais.

O conhecimento da história e das tradições, da produção cultural e do grande pensamento, ajudam a perceber aquilo que o homem tem feito e aquilo que a humanidade é. Ajudam-nos a vivermos melhor uns com os outros e a estarmos defendidos face aos caprichos do presente e do futuro.

Encontrar o justo equilíbrio entre a necessidade de transmitir um conjunto de conhecimentos fundamentais, validados pelo tempo e assumidos como legado que deve ser perpetuado, conjuntamente com a necessidade de se garantir o acesso aos saberes recentes e o desenvolvimento de competências emergentes, é um dos grandes desafios que se colocam à escola, agora e sempre.