A inevitabilidade de aprendizagem ao longo da vida

Gonçalo Xufre

Presidente do Conselho Diretivo da Agência Nacional para a Qualificação e o Ensino Profissional

In Revista TER 31

Em novembro, uma das notícias do maior evento de tecnologia a nível mundial – o Web Summit – deixou-nos perplexos com uma robô – a Sophia (oficialmente cidadã da Arábia Saudita) – capaz de falar com tanta desenvoltura com humanos e sem pudor ao dizer que, num futuro próximo, estes novos seres robóticos irão retirar-nos os empregos.

Esta Sophia, para além de ser o protótipo “vivo” de um robô com inteligência artificial que ameaça a nossa empregabilidade, é também o prelúdio de uma viragem sem precedentes na história da humanidade: no futuro, até a nossa cidadania será vivida, a par, com máquinas que terão direitos e deveres cívicos tal como qualquer ser humano. É já comum ouvirmos especialistas da tecnologia, como Bill Gates, propor que os robôs passem a pagar impostos (inerentes aos empregos que retiram aos humanos) ou ainda, tal como sugere Elon Musk, o fundador da Tesla, que aos humanos, “eternos desempregados”, seja atribuído um rendimento mínimo.

Inevitavelmente, o mundo está numa mudança acelerada que tem tanto de fascinante como de assustador. Se, por um lado, é possível que, nesta nova era industrial – Indústria 4.0 – possamos ter muito mais tempo de lazer para nos dedicarmos à família e aos nossos hobbies, estaremos libertos das tarefas mais pesadas, arriscadas e perigosas para a precaridade dos corpos humanos, e viveremos por mais anos, sem as doenças que associamos à velhice, por outro o risco de nos tornarmos descartáveis é enorme, fazendo perigar a nossa dignidade enquanto seres humanos.

As projeções do Fórum Económico Mundial são precisamente reveladoras de um cenário de desaparecimento, nos próximos 5 anos, de cerca de 7 milhões de empregos, gerado pelas substituições e transformações que a economia mundial terá com a Indústria 4.0. Em contrapartida, surgirão 2 milhões de novos empregos ligados à indústria da tecnologia. No défice de 5 milhões estarão sobretudo empregos associados a níveis de qualificação mais baixos.

Este cenário tem vindo a ser corroborado por outros organismos, como a OCDE e o Centro Europeu para o Desenvolvimento da Formação Profissional (CEDEFOP), alertando-nos para a necessidade urgente de se proteger desta crise os mais ameaçados, ou seja, os que detêm menos qualificações, sem contudo nos esquecermos que, mesmos os restantes (os mais qualificados), irão precisar de se reajustar continuadamente às mudanças, através da aquisição de novas competências.

Inverter este curso da história está fora de questão (a Internet das Coisas e a conetividade já chegou aos nossos lares e, de acordo com a Federação Internacional de Robótica, só em 2015 foram adquiridos 254 mil novos dispositivos robóticos para fábricas e a procura dos mesmos cresceu 59% desde 2010), pelo que resta-nos aprender a viver nesta nova era, aproveitando o que ela nos poderá trazer de bom e evitando ao máximo o que nos poderá prejudicar. Como?

Das muitas repostas que têm sido dadas, a que me parece mais interessante é a que diz que a solução está em continuarmos a ser humanos. Devemos continuar a ser curiosos, a procurar soluções, a ser criativos e inventivos, o que pressupõe que insistamos em aprender sempre mais.

Efetivamente, esta é a única ferramenta que temos e à qual nos devemos agarrar. Precisamos de mais conhecimento e este apenas advém de uma aprendizagem continuada, ao longo da vida.

Se as competências que se adquiriram (poucas ou muitas) já não são suficientes, teremos de as reforçar, reconverter ou até reinventar.

Para os sistemas de educação e formação, este é um desafio colossal que, pelo menos na Europa, já faz parte da agenda de todos os Estados-Membros, e que tem obrigado a atuar em diferentes frentes. É preciso proporcionar aos cidadãos, desde tenra idade, as competências para que aprendam a aprender ao longo da vida (sobretudo porque, como a OCDE já alertou, 65% das crianças que entram hoje na escola irão ter empregos que ainda nem sequer foram criados); é necessário ajustar continuadamente as qualificações que os sistemas proporcionam às competências que as empresas indicam vir a necessitar pelo menos a médio prazo; importa que as qualificações sejam de qualidade, em linha com parâmetros de referências europeias instituídos, para que tenham aceitação no mercado de trabalho. Impõe-se ainda que as empresas compreendam a linguagem das qualificações, o que tem obrigado a redesenhar as qualificações tendo por base os resultados de aprendizagem (ou seja, o que se espera que os aprendentes saibam e consigam demonstrar quando terminam as formações) e é necessário evitar que os jovens abandonem precocemente a escola, impedindo, desse modo, que entrem na idade adulta sem os requisitos necessários à sua empregabilidade, inclusão social e vivência enquanto cidadãos.

A par destas exigências para com os mais jovens, é preciso não descurar os que já são adultos e que, por múltiplas vicissitudes (muitas das quais não diretamente imputáveis aos próprios) se viram impedidos de adquirir as competências básicas e necessárias ao que é hoje e ao que será amanhã requerido. Às competências de leitura, escrita e cálculo juntam-se agora, com grande premência, as competências digitais.

Em simultâneo, é preciso atuar para que os que se encontram desempregados reorientem os seus percursos, mediante a aquisição de novas competências com maior aceitação pelo mercado de trabalho, e impedir que os atuais empregados percam as suas condições de empregabilidade. E, tudo isto partindo das vivências e das aprendizagens que as pessoas já fizeram e que lhes aportaram saberes e competências que não devem nem podem ser desaproveitadas.

É ainda necessário que os sistemas sejam capazes de dar aos mais velhos (os apelidados de seniores) a capacidade de se sentirem parte integrante de uma sociedade em mudança.

Se olharmos para que o temos vindo a fazer em Portugal, percebe-se que temos procurado atuar de modo a dar resposta a todas estas exigências. No que diz respeito à qualificação dos jovens e focando apenas o que tem sido trabalho da Agência Nacional para a Qualificação e o Ensino Profissional (ANQEP), temos atuado no ajuste das qualificações às competências requeridas pelas empresas (através dos mecanismos de atualização do Catálogo Nacional de Qualificações e da criação do Sistema de Antecipação de Necessidades de Qualificação); já se iniciou o redesenho das qualificações tendo por base os resultados de aprendizagem nas qualificações até ao nível secundário referentes ao turismo e ao comércio; temos em curso um projeto que visa operacionalizar o cumprimento da garantia da qualidade nas escolas com ensino profissional, em linha com o Quadro de Referência Europeu de Garantia da Qualidade para o Ensino e Formação Profissionais, e temos promovido diversas campanhas e iniciativas que procuram diminuir a taxa de abandono escolar precoce, encaminhando os jovens para soluções formativas qualificantes, mais aliciantes para os próprios jovens pelas aprendizagens práticas que proporcionam.

Junto dos adultos, tem havido um esforço de garantia de mais e melhores condições para o reforço da sua qualificação através do Programa Qualifica e do Passaporte Qualifica que tem a grande vantagem de dar coerência e um rumo às formações avulso que muito adultos já adquiriram, proporcionando-lhes qualificações que façam sentido para as suas vidas.

Em breve seremos também envolvidos na operacionalização de várias medidas, integradas na Iniciativa Portugal INCODE. 2030, que visam precisamente o reforço das competências digitais dos portugueses.

Tudo isto corresponde a um enorme esforço que está a ser feito perante a inevitabilidade de todos (mais jovens e mais velhos) podermos aprender continuadamente ao longo das nossas vidas, num contexto que é sempre adverso, incerto e parco em recursos. Mas vale a pena o esforço, porque aprender ao longo da vida é também uma característica da nossa condição humana e poderá ditar a diferença neste novo mundo que será admirável se assim o soubermos construir.