A Inclusão no Desporto em Portugal

Jorge Vilela de Carvalho

Coordenador Desporto CMJD da CPLP

In Revista TER 46

A INCLUSÃO AFETADA PELAS CRISES

A Inclusão no presente século XXI, está a ser afetada por quatro grandes crises mundiais que são interdependentes, que não apresentam sinais de términos, com impactos, com consequências negativas e imprevisíveis (dependo dos desfechos) para o percurso e o processo de Inclusão e que são: a guerra na Europa, entre a Rússia e Ucrânia, a pandemia causada pela doença do COVID-19, o flagelo que é aumento taxa da inatividade física (Eurobatometer, WHO, The Lancet) e a crise económica.
Propomo-nos com o artigo intitulado “A Inclusão no Desporto em Portugal” abordar o percurso e o processo de Inclusão no Desporto em Portugal.

 

A CULTURA UM PRIMEIRO OBSTÁCULO

O Sir Ludwig Gutmann, médico no Hospital de Stoke Mandeville, em Inglaterra, foi considerado fundador do Paralímpismo nos anos quarenta do século XX, declarado pelo Papa João XXIII, pela ocasião dos primeiros Jogos Paralímpicos de 1960, em Roma, como o “Coubertin das pessoas com deficiência”. Ele afirmou no primeiro Congresso Olímpico em Munique 1972 que “… desde há séculos as pessoas com deficiência vinham sendo considerados pelos médicos e por toda a sociedade como doentes sem esperança, com pouco tempo de vida …” (UNESCO 1976; DGD, 1977).
O Relatório das Nações Unidas de 2013 (UN, OHCHR, 2013) sobre a mutilação dos albinos, numa clara violação dos direitos humanos que ocorre no presente século, vem demonstrar quanto longe estamos da Inclusão em que a Cultura é o primeiro e grande obstáculo/barreira.
A Presidência Austríaca do Conselho da União Europeia de 2018, no tema “Sport and physical Activity for People with Disabilities” concluiu que reconheciam a existência de progressos na promoção do desporto para as pessoas com deficiência, mas que eram pouco significativos quando comparados com a enormidade de barreiras/obstáculos que ainda persistem.


A PLURALIDADE, DEMOCRACIA OU OBSTÁCULO

Existem, atualmente, cinco Organizações Desportivas Internacionais de desporto para pessoas com deficiência, o que não me parece que seja sinal de Desporto democrático, mas sim um desporto que falta a Inclusão, baseado num modelo desportivo fragmentado, não apenas ao nível da deficiência mas, também, no desporto regular/convencional.
Os Surdolímpicos (Deaflympics, ICSD) foram os primeiros a serem criados, com a realização dos primeiros Jogos Mundiais de Paris em 1924, tendo resultado na criação do Comité Internacional do Desporto para Surdos (ICSD – International Committee Sport for the Deaf). O segundo os Paralímpicos (Paralympic Games) em 1960, em terceiro lugar o Special Olympics, com a realização em 1968, em Illinois dos primeiros Jogos Mundiais de Verão (Estados Unidos da América, em Chicago, Illinois, 1968) e, em quarto lugar, em 1978, em Inglaterra, Portsmouth os primeiros Jogos Mundiais para os Transplantados (Transplantação). Em 2012 é criado (SUDS – Sport Union Down Syndrom) que realizam, em 2016, os primeiros Jogos Mundiais para o Síndrome de Down.

 

O PARALÍMPISMO E A INCLUSÃO SOCIAL

Os Paralímpicos são os mais falados devido ao seu mediatismo e suplantaram os Surdolímpico apesar destes terem sido os primeiros. Tal fato se deve a visão e ao papel desempenhado pelo Guttmann.
O Guttmann para a implementação da sua visão de “desenvolvimento dos Jogos de Stoke Mandeville como os Olímpicos dos Paralisados” recuou aos Olímpicos da Antiguidade Clássica, aprofundou a história da Medicina e Desporto tendo pesquisado contributo do exercício físico para a saúde na civilização grega. Abordou, entre outros percursores, o Erasistratos (305-250 a.C.), Galeno (131-210), Avicena (980, Pérsia), Galeno e Maimonides (físico judeu, Treatise of Hygiene, 1119 AD).
Gutmann, na obra publicada pela UNESCO (1976, em inglês, francês, espanhol e traduzido para português pela DGD, em 1977), refere o papel e a importância do desporto na ocupação dos tempos livres, em segundo lugar na reabilitação (física/funcional, psicológica e social) e, em terceiro lugar, na inclusão social. Guttmann utilizou expressões muitos duras mas realistas na época (1972) ao afirmar que a sociedade considerava as pessoas com deficiência como “resíduos da humanidade”.
A Carta das Nações Unidas (1945) veio dar “primordial importância à reafirmação dos princípios da paz, à fé nos Direitos Humanos e nas liberdades fundamentais, dignidade e valor da pessoa humana e à promoção da justiça social. Seguiu-se a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948). Antes tivemos, da Inglaterra, Disabled Persons (Employment) Act de 1944 (lei sobre o emprego das pessoas com deficiência). E, recentemente, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2007).

 

O PARALÍMPISMO PORTUGUÊS

Em Portugal tem início em 1822 o ensino de cegos e surdos. A Casa Pia de Lisboa criada em 1780, o programa de educação física incluía a ginástica corretiva.
O médico Joaquim Gualberto da Cunha Melo refere na sua obra (1923) que “A reeducação dos mutilados foi em Portugal uma obra da guerra”. Com as duas primeiras Guerras Mundiais, seguida da Colonial em África, levou a criação em 1917 do Instituto Militar de Arroios e, para além de diversas Instituições e Hospitais, como o Ortopédico de Sant’Ana viria a ser inaugurada em 1966 o Centro de Medicina de Reabilitação do Alcoitão (CMRA).
Sir Ludwig Guttmann foi um dos consultores aquando da construção do CMRA e recebeu estagiários portugueses de diversas áreas do sector da saúde, no Hospital de Stoke Mandeville.
Uma equipa de basquetebol masculina em cadeira de rodas constituída por utentes do Hospital Ortopédico de Sant’Ana e do CMRA viriam a integrar a primeira Missão Paralímpica Portuguesa aos Jogos de 1972, que tiveram lugar na Alemanha, em Heidelberg, no mesmo ano, em que o Brasil também se estreou.
O Paralímpismo Português evoluiu de 1972 até a presente data (2022) em seis fases:

• I Fase (1972-1974). É a fase do “Desporto – Terapia”, conduzido pelo Sector da Saúde.
Foram pioneiras o Centro de Medicina de Reabilitação do Alcoitão (CMRA) e o Hospital Ortopédico de Sant’ Ana que participaram, na Alemanha, nos Jogos Paralímpicos de Heildelber.

• II Fase (1974-1983). Tem lugar o “Desporto – Recreação”, da iniciativa do Estado.
Assumida pelo Estado, após o 25 de abril, foi implementada pela Direção-Geral dos Desportos, com a participação das Associações de e para as pessoas com deficiência.

• III Fase (1983-1992). Inicia-se o “Desporto-Segregado”, liderado pelo movimento associativo das pessoas com deficiência. Destacam-se a Associação dos Deficientes das Forças Armadas (ADFA), a Associação Portuguesa de Deficientes (APD) e a APPC, atual Federação das Associações Portuguesas de Paralisia Cerebral (FAPPC) que vem a retomar a participar nos Jogos Paralímpicos (Nova Iorque 1984, Seul 1988) e vem a participar na criação de uma Federação Desportiva.

• IV Fase (1992-2008) Mantém-se o modelo do Desporto segregado com a liderança da Federação Portuguesa de Desporto para as Pessoas com Deficiência (FPDD).
Surge a Federação que passou a congregar as Associações de Desporto por Deficiência (ANDD), representativa das seguintes áreas de deficiência: intelectual, visual (cegos e baixa visão), auditiva (surdos), paralisia cerebral e motora.

• V Fase (2008-2014) Mantém-se o modelo segregado, embora com a participação das Federações Desportivas convencionais no Comité Paralímpico de Portugal (CPP) que, entretanto, foi criado em 2008 e manteve na sua estrutura a representação das Associações Nacionais de Desporto por Deficiência e a FPDD.

• VI Fase a partir de 2014, mantém-se o modelo segregado com a liderança do CPP e as Federações Desportivas Nacionais passam a ser responsáveis, inicialmente, pelos atletas paralímpicos e, posteriormente, algumas passam a alargar o seu âmbito de ação face as orientações internacionais do processo de transferência da governação (Transfer of Governance) que teve início em 2005.


CONCLUSÃO

Apesar da introdução no país, há 200 anos, do ensino de pessoas com deficiência, de termos acompanhado a Europa e internacionalmente as grandes correntes da atividade física, com natureza militar, higienista, corretiva (Casa Pia, 1780) educativa, constatamos que as mudanças ocorridas, nos últimos 60 anos, no desporto para as pessoas com deficiência foi de manter o status quo de um modelo, não de inclusão, mas segregado e fragmentado.