A Importância da Inspiração: inspirar e ser inspirado

José Manuel Gomes

Baterista (This Penguin Can Fly) e Programador Cultural

In Revista TER 35

Inspirar e ser inspirado são duas faces da moeda de quem é músico e programador cultural. No meu caso específico sou baterista – aqui há quem se sirva sempre da intemporal provocação que ser músico é uma coisa e ser baterista é outra – num projeto de música – maioritariamente – instrumental que lançou o primeiro trabalho de originais em 2014 e trabalho na área da programação cultural desde 2011. A banda onde faço por ritmar músicas com toda a plenitude da minha aprendizagem autodidata são os This Penguin Can Fly e, actualmente, faço programação regular no museu termal, Banhos Velhos, nas Caldas das Taipas, no festival de verão L’Agosto e Suave Fest, ambos em Guimarães.

Apresentações feitas, há aqui, portanto quase que uma mudança de papéis constante: entre alguém que cria e compõe música e alguém que planeia e programa eventos culturais da mais diversa ordem. Há duas coisas que me perguntam regularmente sobre estes dois papeis que vou tendo. Por um lado, “como é que se cria uma música?” e por outro “o que mais gostas quando programas algo?”. Entendo perfeitamente as perguntas e a curiosidade que desperta nas pessoas, sobretudo, a questão da composição musical. Na verdade, e falando já na primeira questão, não há qualquer fórmula ou método mágico para se criar algo, neste caso, uma música. Muitas vezes a génese de algo acontece quando menos se espera, num ensaio quase à sorte ou a partir duma ideia que nada mais é do que um embrião de qualquer coisa e vai-se construindo ao ligar e acrescentar elementos até se ver uma árvore completa. As ideias aparecem, quase sempre, do nada mas nunca dissociadas do que se ouve, do que se vê, do que se lê, ainda que seja feito de forma inconsciente.

É esta capacidade de funcionarmos como uma espécie de esponja cognitiva que nos torna diferentes dos restantes seres vivos. A aprendizagem, a evolução de conhecimento que temos, até à forma como algo nos inspira ou nos toca para criarmos algo genuinamente nosso. A influência traz-nos a inspiração e a inspiração traz-nos a criação. Este é talvez o processo mais natural de tudo, e que, apesar de parecer simples, é do mais subjectivo que pode existir. Não se cria uma música como se fôssemos a um carpinteiro pedir para construir uma mesa; é preciso algo mais, algo que nos transcende, algo que realmente traduz em notas aquilo de que o nosso espírito anda a beber. Às vezes é uma simples música que passa na rádio que muda tudo, outras vezes, é um acorde que sai ao calhas num ensaio. A inspiração não escolhe hora e pode vir de qualquer lugar. Este aspecto aleatório torna a vida muito mais genuína e bela.

Agora, indo para a segunda questão que volta e meia me perguntam: o que mais gosto na atividade de fazer programação cultural é precisamente sentir que sou eu o agente que está responsável por inspirar os outros, os que aparecem para assistir aos espetáculos que proponho e promovo. É saber que mudei o quotidiano daquela pessoa; que por minha causa ela saiu de casa para assistir a um espetáculo/iniciativa que eu idealizei e agendei. É ver que aquelas pessoas que apareceram levam, para as suas vidas, algo que não tinham antes do início do espetáculo programado por mim. Enfim, é ver que a uma certa escala, consigo mudar a vida das pessoas ao dar-lhes e mostrar-lhes algo de novo para o próprio espírito delas. Mais do que isso, é ver que, agora, sou eu que as inspiro.

A inspiração não está apenas presente, na minha vida, no que ao processo de criação musical diz respeito. É preciso também inspiração para construir uma agenda cultural, diversificada, que traga algo de novo, que ensine e que traga pedagogia ao público. Diria até, é preciso inspiração para tudo na nossa vida. Inspiração essa que pode vir de várias formas e que nos pode tornar igualmente em agentes instigadores: os tais que mostram algo novo nas suas propostas ao seu público; os que conhecem o público para quem programam e sabem colocá-los em confronto com o inusitado e a novidade. Inspirar é, acima de tudo, evoluir.

Em suma, evoluímos enquanto pessoas aos inspirar os outros e ao nos inspirarmos quando nos colocamos em confronto com algo que gostamos; seja a assistir a um concerto de música, a um filme no cinema, a uma peça de teatro, etc.

A inspiração traz criação, traz a auto-crítica, traz para o mundo objetivo uma ideia que tínhamos e que nasceu do mais fundo do nosso íntimo. O ser inspirador é o que nos torna imortais à luz da arte.