A degradação dos sistemas de ensino

António de Almeida Santos

Antigo Ministro de Justiça

Antigo Presidente de Assembleia

In Revista TER 23

A revista “Ter – Ensino Profissional”, de excelente qualidade gráfica e temática, dá-me a oportunidade de publicar, no próximo número, um texto meu sobre temática à minha escolha de entre diversos temas.

Adjudico o tema “escola”, sob o ângulo mais vasto do sistema de ensino que, em meu entender, continua demasiado igual ao herdado do século passado, apesar de, sociologicamente, o Mundo moderno ter evoluído demais para poder continuar satisfeito com a escola e o ensino herdados do século vinte.

Comecei a raciocinar sociologicamente a partir do fim da última grande guerra, que coincidiu com o fim do meu curso liceal. E consciencializei, desde esse então, a excecional revolução tecnológica, e consequentemente sociológica que a partir daí teve lugar. Foi o tempo do “Admirável Mundo Novo” de Huxley, do “Mundo Só” de Wendell Wilkie, e da explosão da velocidade das deslocações e dos contactos.

O Mundo era enorme, desconhecido e dificilmente comunicável. Num ápice passou a ser bem mais pequeno e devassado, percorrível a velocidades superiores à do som, e contactável à velocidade da luz, a maior velocidade possível, segundo Einstein.

Pois bem: apesar da consequente aceleração o Mundo do Estado-Nação, consequente da revolução francesa do século dezoito, continuou praticamente igual a si próprio. E sem embargo de novidades com algum significado, ainda continua. O mesmo Estado-Nação, com os seus duzentos anos, os mesmos governos, os mesmos parlamentos, os mesmos tribunais, as mesmas fronteiras (salvo no espaço da União Europeia), a mesma rádio, que caminha para os cem anos, e a mesma televisão, que também já tem cabelos brancos e, sobretudo, basicamente a mesma escola do tempo da primeira República, se bem que, em grande medida, substituída pelos “mass media”, com destaque para a rádio – escola de todas as horas da vida, que não larga o ser humano, nem quando viaja ou quando trabalha – e sobretudo a televisão, que matricula o aluno desde a mais tenra idade, ao ponto de, quando começa a frequentar a escola oficial, levar já consigo o condicionamento de cerca de três a quatro mil horas de televisão.

Durante o período escolar, e depois dele até ao fim da vida, os “mass media”, com destaque para a rádio e a televisão, continuam a ser a escola mais efectiva, e mais perigosamente atraente, mas também a mais dissolvente de personalidades e de valores éticos, sociológicos e outros. Não poupa sequer o sagrado.

Isto porque os “mass media” funcionam em roda livre, sem control sociológico e educativo, mais preocupados em rentabilizar económica e sociologicamente o próprio funcionamento do que em desempenhar um papel educativo digno desse nome. Isto porque a deontologia das escolas mediáticas é determinada pela preocupação de agradar, de preferência à preocupação de ensinar e formar.

Resultado: um ser humano desgarrado, produto ético e sociológico de si mesmo, que é como quem diz de ética nenhuma.

Talvez haja algum exagero no que acabo de dizer. Mas, basicamente, é assim que as coisas se passam, e o resultado é, infelizmente, o ser crescentemente amoral que acabo de caracterizar.

Com a gravidade de que o fenómeno da globalização fez o seu caminho e desempenha o seu papel. A lermos ou ouvirmos todos os dias as mesmas notícias; a lermos em tradução os mesmos livros; a vermos os mesmos filmes; a visitarmos as mesmas atracões turísticas; e a procurarmos emprego nos mesmos mercados, ou eu me engano muito ou, a prazo, vamos ficar todos tendencialmente iguais. E lá se vão as preciosas identidades.

Pode a escola oficial tentar preservá-las. Mas o mais que porventura vai conseguir é tentar em vão neutralizar o efeito nivelador do ensino e da prática mediáticas.

Espero que a Revista TER possa suprir a pouquidão deste texto, com o qual o que pretendo é, sobretudo, homenageá-la.