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Ligações Rápidas

Ser Cristão não é uma Ideologia

Jorge Ortiga

Arcebispo Primaz de Braga

In Revista TER 25

Não me resigno a aceitar que o cristianismo seja uma ideologia. Sei que muitos o consideram como tal, em confronto com tantos outros num verdadeiro supermercado onde cada um pode escolher o que mais lhe convém ou agrada. Acredito, até, que muitos outros nem sequer queiram dar ao cristianismo esta caracterização.

Por aquilo que concerne à Igreja, vejo que o que muitos apelidam de crise religiosa se deve a esta interpretação. A culpa é daqueles que não se assumem como cristãos. Mas, quer queiramos ou não, a Igreja tem uma quota-parte muito grande nesta visão, uma vez que se deixou conduzir por um comportamento de prescrição de mandamentos e leis, em articulação com proibições. Para muitos, o cristianismo equivale a um simples conjunto de leis e prescrições que norteiam vidas e opções por parte das pessoas.

Não aceitando que seja uma ideologia, partilho a grande certeza de que o cristianismo é sinónimo do encontro com uma pessoa, original e única, nascida num passado remoto mas que prometeu permanecer com os seus até ao fim dos tempos. Paradigmática é a comparação por Ele escolhida onde se afirma como a única videira em que todos os seus discípulos, na sua diversidade de culturas ou raças, se enxertam para produzir frutos capazes de transformar a sociedade, diferente de um aglomerado de pessoas, muitas vezes anónimas e esquecidas, mas na responsabilidade de serem família que revela o que é através daquilo que vive. Só esta identificação com uma pessoa é capaz, como consequência, de delinear comportamentos e opções. Cristo afirmou “assim como eu fiz, fazei-o vós também” (Jo 13,15).

Os seus primeiros seguidores narraram, naquilo a que chamamos Evangelhos ou Cartas Apostólicas, o que o encontro com essa Pessoa implicou para as suas vidas. Também hoje o cristão deveria escrever a sua Boa Nova com a tinta que diferencia e distingue.

Evidentemente que este encontro com Cristo se versou depois em doutrina e princípio orientadores. Tais critérios foram perpetuados pela Tradição da Igreja e deram vida à teologia, moral, direito e doutrina social. Se o encontro pessoal é imprescindível, não menos exigente é o exercício de se identificar com esta doutrina sem vergonha nem complexos. Não se trata de um quadro de referências à parte ou à margem desse encontro com a pessoa de Jesus. São a sua expressão e explicitação. Daí a importância e a necessidade de compreender todas as implicações do referido encontro e que estas componentes culturais, verdadeiras ciências como todas as outras, são meios indispensáveis para nos identificar como prolongamento de uma vida iniciada há muitos séculos.

Também aqui, e particularmente no nosso meio, é de lamentar a reduzida procura de um enriquecimento cultural capaz de apresentar, em linguagem intelectual, as razões do nosso viver. A Igreja, hoje, nunca se cansará de interpelar os seus fiéis para que procurem dar profundidade intelectual, moral, social, jurídica, histórica à cultura. Tudo mostrará a beleza da amizade de um Deus que se fez homem para que toda a Humanidade vivesse ao estilo de Deus. Esta é a história de salvação e a história da beleza do Homem.